Nem todos, mas vários líderes sindicais, ao se exibirem através da imprensa passam a impressão de serem criaturas englobadas numa personalidade coletiva, onde avultam como traços principais a arrogância, a ignorância e uma boa pitada de esperteza primitiva. É como se houvesse uma personalidade sindical, na qual procuram se ajustar os ‘‘companheiros’’ suficientemente ambiciosos para almejar privilégios ou cargos políticos e, desta forma, seguir um caminho bastante atraente, o qual passa distante das trilhas penosamente percorridas pelos trabalhadores comuns. Lula que o diga.
Pois bem, o espetáculo da CUT, na quarta-feira passada em Brasília, contra o pacote fiscal anunciado pelo governo, pareceu salientar esta personalidade coletiva sindical. Além do protesto contra as medidas governamentais, as quais visam manter a estabilidade econômica diante da gravíssima crise financeira originada na Ásia, e que se abateu sobre o mundo inteiro, o diretor nacional da CUT, José Maria de Almeida, anunciou que a manifestação tinha também como objetivo começar a mobilizar a população. Conforme Almeida, ‘‘está havendo um óbvio arrocho econômico e pensamos em fazer uma grande paralisação nacional, mas primeiro queremos trazer todas as pessoas para o movimento’’. (‘‘O Estado de S.Paulo’’, 13/11/97).
Voltava, pois, através das palavras do sindicalista, o sonho da paralisação nacional, que já há algum tempo vem sendo tentado mas jamais realizado. Ao mesmo tempo, o curto discurso deixou entrever outro ingrediente do sonho, talvez o mais importante, e que se esconde atrás do objetivo da grande paralisação. Este ingrediente repousa na necessidade do fortalecimento do movimento sindical, enfraquecido por ter se tornado um sindicalismo ‘‘chapa-branca’’, ou de funcionalismo público, ou pequeno-burguês para usar um termo marxista, e que convive como uma economia estável onde o ‘‘proletariado’’, ao contrário do que disse Marx, tem tudo a perder e nada a ganhar participando de greves ou outros tipos de mobilização. Este aspecto, naturalmente, inviabiliza qualquer arroubo revolucionário dessa classe.
Mas por que recordar tanto o pensamento de Karl Marx neste artigo? Porque na frase do alemão que balançou o mundo com suas idéias ‘‘o proletariado tem tudo a ganhar e nada a perder’’, se encontra a explicação de predileção das esquerdas pelo ‘‘quanto pior melhor’’. Afinal, por que haveria de interessar à CUT, ao PT e às demais oposições a estabilidade econômica brasileira? Mil vezes melhor para eles que o povo coma mal, vista mal, não possa consumir coisa nenhuma, não tenha acesso ao lazer. E se o Plano Real inaugurou todas essas vantagens para o povo, que se arrebente com o Plano, que se retorne à inflação para que os salários acabem já na primeira semana. Assim, a profecia se realizaria e os ‘‘proletários’’ teriam tudo a ganhar e nada a perder. Então, viria um salvador, ungido pelo socialismo brasileiro, um santo guerreiro contra o dragão da maldade chamado neoliberalismo, e todos seriam iguais e felizes para sempre, como ‘‘aconteceu’’ na União Soviética, na Alemanha Oriental, na Polônia etc etc. O nome do salvador? Pode ser Lula da Silva.
Lula não compareceu ao protesto da CUT. Apesar de estar em Brasília, deixou Vicentinho, outras lideranças sindicais, alguns deputados da oposição e todos os manifestantes bastante frustrados. Longe da barulheira, a grande estrela petista se limitou a emitir uma estranha, enigmática e incompreensível parábola, comparando o presidente e sua equipe econômica a um menino teimoso que não ouve a mãe, se machuca e chega em casa chorando. Está claro que ensinaram para o Lula que quanto pior, melhor, pois assim aumentam as chances dele se eleger na terceira tentativa.
Enquanto isso, as oposições emitiram gritos de júbilo diante das crises das bolsas e, no Congresso, juraram continuar segurando as reformas necessárias, solicitadas pelo Executivo. Quanto pior, melhor, cantam, pois assim Fernando Henrique perde na próxima eleição. E continuam a raciocinar: as medidas que o presidente teve de tomar diante da crise internacional para manter a estabilidade econômica e salvar o Real são impopulares. Que bom! Quanto a nós, basta parecer bonzinhos. Diremos ao povo que estamos ao seu lado, e o conduziremos sorridentemente para o abismo.
As oposições, e os que simulam estar ao lado do presidente mas o traem e chantageiam com suas barganhas vergonhosas por cargos e privilégios, possuem também uma personalidade coletiva, onde os traços mais salientes são: a esperteza eleitoreira, o oportunismo e várias pitadas de ignorância. Um outro aspecto dessa personalidade política se evidencia na maneira sistemática de criticar, e na incapacidade de propor algo de concreto no lugar do se critica. De qualquer modo, os que no Congresso estão felizes diante da difícil situação que se atravessa, sejam eles opositores do governo ou seus ‘‘aliados’’, terão que assumir a responsabilidade pelo eventual fracasso dos esforços do governo. Lembrem-se disso, os eleitores.