Perguntas ainda sem resposta - Maria Lucia Victor Barbosa
PUBLICAÇÃO
sábado, 08 de janeiro de 2000
Maria Lucia Victor Barbosa
Em instigante artigo publicado em 28 de dezembro de 99, em O Estado de S. Paulo, o físico e professor José Goldemberg cita a importante revista Scientific American, que na sua edição de dezembro listou as principais perguntas ainda não respondidas pela ciência. São elas: É possível adiar o envelhecimento?, Como funciona a mente?, É possível construir robôs inteligentes?, Existe vida fora da Terra?, Como o universo se originou?, O quanto podemos mudar o clima?, Que segredos contêm nossos genes?, É possível unificar as teorias físicas?
Como na propaganda da televisão em que Fernanda Montenegro aparece, 2000, que parecia tão longínquo nas décadas de 50 e 60, não trouxe consigo o que a imaginação fornecia ao homem em termos de futuro: não fomos viver em Marte nem nos alimentamos com pílulas.
De uma parte, porém, tivemos avanços extraordinários, que há pouco tempo atrás pareceriam impossíveis: o transporte, a comunicação e a informática aceleraram o tempo e turbilhonaram o espaço; através desse correio maravilhoso, o e-mail, colocamo-nos em contato com quem quisermos em frações de segundos; no monitor do computador descortina-se, via Internet, conhecimentos sem-fim, e sem sair do lugar visitamos museus, bibliotecas, shoppings que disponibilizam o que o poder aquisitivo de ávidos consumidores possa adquirir; a medicina permite cada vez mais diagnósticos, cura de doenças, cirurgias sem corte, transplantes de todos os tipos; na genética, os conhecimentos cada vez mais se ampliam, apesar de que, como diz meu amigo Edvino Noronha, o homem é capaz de fazer a jabuticaba mas não a semente; e o que falar de nossa inseparável companheira, a televisão, que nos permite a visão instantânea de tudo que se passa no Planeta, no mesmo momento em que os fatos acontecem?
Assim vamos nós, neste início de 2000, rumo ao admirável mundo novo, sonhando ainda com uma triunfal excursão em Marte, a eterna juventude, ou mesmo com um pequeno séquito de robôs capazes de nos poupar de tarefas desagradáveis como limpar a casa e passar pilhas de roupas. Mas o que dizer de um clone feito à nossa imagem e semelhança? Os que pudessem mandar fabricar sob medida tal maravilha, poderiam ficar em casa vendo novela, enquanto o clone fosse para a sala de aulas dedicar-se à esgotante tarefa de enfiar algum conhecimento nas cabeças recalcitrantes dos alunos. Ou então, muito bem vestido, ele iria por nós ao banco nos dias de pagamento e, sem pestanejar, aguentaria na fila por horas e horas para pagar uma conta, enquanto estivéssemos boiando na piscina do clube, olhos de encontro ao azul do céu. Melhor ainda, se alguém quisesse nos fazer um desaforo, mandaríamos o clone para revidar e colocar o atrevido no seu devido lugar. Pensando bem, seria até interessante treiná-lo em artes marciais para qualquer emergência.
Mas deixando de lado os devaneios divertidos e retornando à realidade do ano 2000, indaguemos se o ser humano conseguiu, a par dos progressos obtidos na ciência e na tecnologia, evoluir enquanto espécie no sentido de se tornar mais sábio, mais compassivo, mais benevolente, mais dadivoso, mais corajoso, mais leal, mais honesto, mais justo. Em sã consciência, a resposta é não, e essa é a grande contradição que rege um mundo de avanços materiais espetaculares para os padrões que há pouco tempo existiam. E qual seria diante de tudo isso, a característica do nosso tempo?
O grande pensador espanhol José Ortega y Gasset, em sua obra A Rebelião das Massas, escrita em 1926, portanto numa época em que o máximo do avanço era o jornal e o cinema mudo, já observava o culto da velocidade praticado por seus contemporâneos, e aduz: Porque o tempo vital do homem é limitado, justamente porque ele é mortal, precisa vencer a distância e o tempo. Para um Deus cuja existência é imortal, o automóvel não teria sentido.
E esse homem da velocidade e do progresso material, ao ter criado uma civilização de massas, dotou-a de uma marca que assim é definida por Ortega y Gasset com notável precisão: A própria perfeição com que o século XIX (leia-se XX que dá na mesma) organizou certas esferas da vida é a origem do fato de que as massas beneficiárias não a consideram como organização, mas como natureza. Assim se explica e se define o absurdo estado de ânimo que essas massas revelam: não se preocupam com nada além de seu bem-estar e ao mesmo tempo não são solidárias com as causas desse bem-estar. Como não vêem nas vantagens da civilização uma invenção e uma construção prodigiosas, que só podem ser mantidas com grandes esforços e cuidados, acham que seu papel se resume em exigi-las peremptoriamente, como se fossem direitos naturais.
Ortega y Gasset apenas deixou de explicar que esse sintoma, que caracteriza o homem-massa do final do século XX, liga-se mais profundamente a um aspecto sempre presente em todos os tempos: a humanidade, capaz de criar seus benefícios, igualmente sempre os destrói. Seria sempre assim para que tudo se renovasse, ou por que o homem possui uma dupla essência onde coabita o bem e o mal, a capacidade de criar e a de destruir, como se isso fosse uma lei universal?
Na sedutora lenda da Atlântida, o continente perdido há milhares de anos, uma super-raça dotada de imensos conhecimentos, acabou entrando em decadência por deles fazer mau uso. E isso, justamente, provocou sua ruína e desaparecimento. Nas civilizações conhecidas pela história, o mesmo sucedeu, apesar de que em outro nível. Então, que o simbolismo da lenda nos guie para respondermos às principais perguntas ainda sem resposta sem nos destruirmos, pois como escreveu Raymond Bernard: Poder-se-ia mesmo dizer que a humanidade vive ou revive a história da Atlântida sempre foi assim desde que o continente dos atlantes submergiu nas vagas do oceano.

