Naquela manhã, ainda de madrugada, as mulheres foram até ao túmulo de Jesus. Chegadas lá, constaram que a pedra tinha sido retirada e foi-lhes anunciado que o Mestre havia ressuscitado. Essa Boa Nova perdura até hoje e é o alicerce do arcabouço da fé cristã. Sem ressurreição não existe cristianismo.

Malgrado a Igreja Católica tenha menosprezado as mulheres ao longo da história e somente agora o papa Francisco atribua a elas cargos de relevância no Vaticano, foi ao sexo feminino que Deus confiou a principal notícia: que Ele estava vivo! Quem lê com atenção os evangelhos sinóticos, de modo especial o de Lucas, já constata que as mulheres seguiam a Jesus e o “serviam”. Mas, o fato narrado e sublinhado de que foi a gente sem crédito algum na cultura judaica que Jesus apareceu em primeira mão, é de extrema importância.

A cultura cristã nasce, portanto, envolta numa sã revolta contra parâmetros discriminatórios e preconceituosos. É uma lástima que a partir do século IV se tenha deixado domar e passasse a endossar os princípios que combatia, relegando a mulher à insignificância. Temos uma dívida histórica para com as mulheres!

Páscoa é abertura de túmulos. É um mundo novo que irrompe de pedras removidas. É uma mensagem que devolve aos homens o protagonismo de uma nova história. É mudança. É vida nova. Na Europa, onde a religião começou, a Páscoa acontece na primavera. Eu nasci ali e sei do que falo.

Após um inverno rigoroso em que a vegetação morre e tudo ganha tons cinzentos, ressurgem as primeiras folhas e logo depois as exuberantes flores. Os passarinhos entoam sinfonias inebriantes e buscam seus parceiros para futuras procriações. Tudo é vida. Muda o humor e as mulheres enfeitam as janelas com lindos vasos floridos. Tudo renasce, tudo recomeça. Se aqui o ano começa no Carnaval, nos campos bucólicos do Hemisfério Norte recomeçamos “pela Páscoa”!

Porém, as sepulturas precisam ser abertas. Não há ressurreição com túmulos fechados e cheirando mal! Nossos hábitos imploram transformações e nossas mentes, uma profunda conversão. Para encarar a travessia do deserto, o povo de Israel teve que esquecer as parcas seguranças do Egito opressor. Migalhas ficaram para trás quando a terra prometida se vislumbrava no horizonte. Não dá para conciliar túmulos fechados com auroras de vida nova. Quem se finca na Sexta-feira Santa não contempla as maravilhas indizíveis do domingo de ressurreição!

O mundo de hoje é repleto de sinais de morte. São inúmeros os cravos que continuam suspendendo o ser humano na cruz! Uma Ucrânia martirizada, Gaza reduzida a cinzas num dos maiores genocídios dos últimos anos e um presidente que está levando o comércio mundial ao colapso e cobrindo de trevas os EUA. Isso sem mencionar os inúmeros conflitos regionais, que no silêncio perverso da mídia executam milhares de cidadãos. É uma Sexta-feira da Paixão que não conhece o ocaso!

O papa Francisco convocou o mundo para a celebração de um ano jubilar, inspirado no Antigo Testamento e na primeira aparição pública de Jesus na sua terra Natal, em Nazaré. Um tempo oportuno de reconciliação, de renovação e, como quer o papa, de recomeço total (chega a pedir o perdão das dívidas dos países em desenvolvimento). O tema deste ano é a esperança. A esperança que não vem de uma alegria tóxica, nem de razões humanas, mas da certeza de que Deus está no comando da história. Os homens e mulheres devem possuir esse combustível que os faça avançar pela vida com “alegria pascal”. Sem esperança ninguém vive! “Roubem-nos tudo, mas não nos tirem a esperança”.

Celebrar a Páscoa está muito além de um peixe na sexta ou de um (caro) chocolate. Se não formos capazes de nos transformar internamente e lutarmos por um mundo diferente, manifestando a nossa crença nos ideais do ressuscitado, permaneceremos na dúvida “de quem nos retirará a pedra para embalsamar o amigo”!

“Porque procurar entre os mortos o que está vivo”? O intragável mundo velho que surgiu nestas primeiras décadas do milênio não pode ter a última palavra sobre o ser humano! Isso é Páscoa!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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