Parlamentarismo ou continuísmo?

José Genoíno
A mudança do sistema de governo, do presidencialismo para o parlamentarismo, voltou a ser objeto de especulação nos meios políticos e até de articulação no Congresso Nacional. Existe hoje uma comissão na Câmara dos Deputados que analisa as emendas parlamentaristas e promove audiências públicas para dar curso à tramitação delas. Embora tenha defendido o parlamentarismo no plebiscito de 1993, julgo que o momento, a forma e os objetivos que norteiam a atual discussão sobre o tema são inconvenientes e até mesmo inaceitáveis.
A tentativa de rediscutir o sistema de governo não está orientada pelo objetivo de buscar uma solução duradoura e funcional para as instituições políticas brasileiras. Trata-se de um movimento circunstancial que visa a encontrar uma saída política para aqueles que exercem o poder. Nesse sentido, a reapresentação do debate mal consegue disfarçar o caráter de manobra continuísta.
O mesmo continuísmo que se verificou na instituição da reeleição. Como experiência institucional e política, a reeleição nem sequer conseguiu consolidar-se ou mostrar a sua ineficiência, e parte dos setores que a patrocinaram já articulam a implantação do parlamentarismo. Dessa forma, as mais importantes instituições do País são modificadas ao sabor dos interesses políticos e partidários, sem que se leve em conta a necessidade de um ordenamento correto e a eficácia e estabilidade institucionais.
Não resta dúvida que a reeleição foi aprovada sobre o embalo das ondas continuístas. Chegou-se a argumentar que o Plano Real precisava de mais tempo, oito anos, no mínimo, para se consolidar. Agora, setores dos mesmos grupos políticos que estão no poder antevêem dificuldades na sucessão presidencial de 2002.
No momento, todas as pesquisas indicam a possibilidade de polarização entre dois candidatos oposicionistas. A manobra continuísta, no entanto, calcula que os atuais partidos do bloco governista podem eleger uma sólida maioria parlamentar nas próximas eleições. Além da força política de que eles dispõem atualmente, articulam a aprovação de alguns itens de reforma política que podem servir de instrumento para garantir essa maioria parlamentar.
A minirreforma política tem o sentido claro de prejudicar a oposição e os pequenos partidos. Veja-se, por exemplo, que se pretende proibir a coligação proporcional, prática que vem sendo desenvolvida principalmente pelos partidos de esquerda e se traduz num complemento da aliança em torno do candidato majoritário. Em contrapartida, para acomodar os interesses no interior dos grandes partidos governistas, propõe-se o aumento do número de candidatos por vaga parlamentar.
Essas duas medidas, conjugadas, propendem a aumentar as cadeiras dos grandes partidos e diminuir as dos pequenos e médios. Mas outro ponto da minirreforma atinge de forma ainda mais intensa a representação dos pequenos partidos: é a pretendida adoção da cláusula de barreira já nas eleições de 2002. Ou seja, os partidos que não atingirem determinado percentual dos votos nacionais - 5%, por exemplo - não terão assento na Câmara dos Deputados. Para efeito de cálculo das bancadas, as representações dos partidos excluídos seriam redistribuídas entre os outros, ampliando ainda mais a maioria das grandes agremiações.
Garantida a maioria parlamentar, as forças políticas que hoje governam o País teriam força suficiente para impor um primeiro-ministro e um ministério num sistema em que o presidente teria seus poderes governamentais drasticamente reduzidos.
Nenhuma discussão ou decisão sobre mudança do sistema de governo pode passar por cima do fato, certo ou errado, de que em 1993 houve um plebiscito sobre o assunto e o povo fez sua opção pelo presidencialismo. Submeter um modelo de parlamentarismo aprovado no Congresso a referendo não teria a mesma equivalência do plebiscito, circunstância que terminaria por agredir a soberania popular.
Antes de qualquer nova decisão sobre sistema de governo, o País precisa passar por uma reforma política e institucional abrangente do atual sistema presidencial. É impossível pensar seriamente em avançar para o parlamentarismo sem que os partidos se tornem verdadeiros centros de direção e decisão política. A infidelidade partidária e a fragmentação tenderiam a transformar o parlamentarismo num sistema de crise.
No Brasil não há nem nunca houve um sistema republicano com os poderes equilibradamente distribuídos. A magistratura de um presidente imperial concentra enorme parcela da função legislativa, enfraquecendo a democracia e a representação política do povo. O Congresso vê-se, assim, ceifado de prerrogativas, esvaziado em suas funções e caudatário do Executivo. O próprio Supremo Tribunal Federal, em vez de funcionar como uma verdadeira Corte Constitucional independente, funciona sob influência política do presidente. Enfim, o nosso sistema de poderes desequilibrados ora mantém uma relação de subalternidade do Congresso e do STF ao Executivo, ora explicita relações de crises institucionais.
JOSÉ GENOÍNO é deputado federal (PT-SP)