Feito Wakanda (terra do Pantera Negra) a Palestina (terra de Jesus Cristo, filho de Deus) também há de ser eterna – deveria. Cresci crendo tanto em Wakanda quanto na Palestina. Desde meu primeiro quadrinho do Pantera via semelhança na negritude dele com a do Filho de Deus (mouro em todos os sentidos).

Minha visão de um e de outro desenhou na tela da vida uma miríade de significados que adormeceu a existência em minhas escolhas, conjurando a magia da constatação de que meus primeiros heróis (Pantera Negra e Jesus) são negros. Busquei, enquanto coroinha nos anos setenta na pequena Fernudia, estabelecer um parâmetro mais abalizado e, assim, lancei a tese (Wakanda – Palestina) ao padre Holandês de minha paróquia. Não fui bem interpretado, em que pese o sacerdote jamais ter me abjurado.


Noves fora, segui crente em meu conceito. Para mim, desde pequeno, Cristo e o Pantera eram negros e parentes próximos – justiça social baby, justiça social...

Ademais disso, a Palestina estaria para Wakanda como as estações estão para a vida: em equilíbrio, naquilo que sempre vi um sensível equilíbrio entre o Cristo Jesus e o Pantera Negra. Ambos seriam negros e frutos do inconsciente coletivo, onde as equações de ser permeiam o céu da existência, infundindo na vida um amálgama redivivo que impulsiona a fantasia rumo às gentes que passam pela história...

Por isso estamos e não somos – Capicce baby? Vamos lá, você que já me aturou até aqui, admita: não há prova científica de que Wakanda não exista para além do universo da Marvel – mas há prova fértil e robusta de que a Palestina está no mapa desde antes de Cristo e do Pantera Negra.


Há mais de cinco inscrições antigas que mencionam um povo, vizinho dos egípcios, desde 1.150 a.C. Então porque matamos Jesus em uma cruz enquanto o Pantera não pode lutar por seu primo?


Vamos com calma que não tenciono questionar qualquer dogma vosso, mas sim indagar se a Palestina seria, o que é hoje, tivesse em seu solo o vibranium que impulsionou Wakanda.

Imaginemos, por um momento, que o solo Palestino fosse fértil em vibranium, o metal excepcional que fez de Wakanda a terra do forever. Seria, então a Palestina para sempre? Me pergunto isso toda manhã, há muito tempo e esse meu questionamento aporta na circunstância de que uns são bem-nascidos, outros nem tanto e, nessa equação, não parece (aos olhos do mundo de hoje) haver uma bênção maior do que possuir, geográfica e literalmente, uma extraordinária fonte de riqueza – in casu o vibranium...


Sigo me questionando (como faço isso, meu Deus) porque os Wakandenses (ou Wakandianos, há divergência sensível) mereceram a sorte do vibranium e os Palestinos não?

Aqui, um parêntese: para os Palestinos não seria melhor serem filhos da outra, como desenhou o Chico Buarque? Sigamos, todavia, na senda de minhas dúvidas, suposto que são elas a aprumar meus desencantos, enquanto a vida alumia a certeza de que um metal precioso vale mais, por aqui, que qualquer outra coisa palpável e historicamente justificável.

Não que eu tenha dúvida, mas parece que a sociedade capitalista não tem como negar que o vibranium fez mais por Wakanda do que Jesus pela Palestina e, nesse ponto, minha amada mãe estaria a me puxar pela orelha: João, não blasfeme.

Aliás e a propósito, ela assim o fará quando ler essa ligeira crônica...

Todavia eu terei a oportunidade de explicar a dona Wônia que, entre o Cristo Jesus e o Pantera Negra há mais mistérios do que sonha a nossa vã filosofia. Além da cor de ambos (negros) povoar meu inconsciente pela veia minórica que a escravidão desenha, o primeiro (Jesus) sempre será meu herói, ao tempo em que o segundo (Pantera) segue sendo o filho do Rei.

Wakanda sempre será minha paixão ancestral. Meu lado africano que vai além da meia cancha histórica do Timão (Jango, Brandão e Dino. Jango não tão africano, Brandão e Dino afros, estes sim), enquanto a Palestina me parece, cada vez mais, um lugar onde os sonhos são enterrados pelo supremacismo branco que sepulta as ilusões em nome do capital – tudo sob a bênção de tio san!

Pensar que há muito cristão que acredita na Palestina e nega Wakanda segue me doendo a mais não poder, suposto que a Marvel já provou que o Pantera é para valer, enquanto o fundamentalismo de nossos dias segue negando Jesus em cada tolice de sua visão fanática e sem alma, a cada jovem homossexual expulso de casa, a cada mulher agredida e diminuída pelo marido, sob a batuta complacente de um pastor.


Saudade Pai, sigo perdido em sua falta, quase tanto quanto os trópicos estão ardendo a desilusão do tempo, enquanto a terra agoniza sob os olhos dos que não tem amanhã!

Wakanda forever!

João dos Santos Gomes Filho é advogado em Londrina

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