O ano de 2021 revelou-se catastrófico. A pandemia alcançou níveis dramáticos com mais de 600.000 mortes, grande parte evitáveis caso o negacionismo não se transformasse numa epidemia paralela, atrasando a vacinação e a transferência do auxílio emergencial no tempo oportuno. No entanto, os problemas não se restringiram à questão sanitária, o desastre econômico e social foi retumbante. O PIB, ainda não oficial, subiu aproximadamente 4,5%, o que apenas mitigou a recessão vivida no ano anterior, que fez a riqueza nacional encolher 4,1%. Depois de um primeiro trimestre de 2021 animador, o PIB recuou nos trimestres seguintes e nos conduziu à estagflação, o pior dos mundos, estagnação econômica aliada a elevada inflação, o que leva os analistas de mercado a projetarem um desempenho do PIB em 2022 próximo a zero.

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A inflação (IPCA) que vinha se comportando dentro da baliza estabelecida pelo Banco Central, saiu de 4,5% no acumulado de 12 meses (dezembro de 2020), para 10,1% no final de 2021, o segundo maior índice dos últimos 20 anos e um dos maiores do mundo, com picos superiores junto às camadas mais pobres da população. As razões do aumento acelerado no nível de preços são variadas, com destaque para: alta do dólar, valorização global do petróleo, crise hídrica, aumento dos preços de energia e quebra de safras no campo.

A retomada da economia mundial em 2021 foi uma das responsáveis pela elevação dos preços em todo o globo, mas é bom lembrar que a realidade brasileira, com dólar alto, piorou muito a situação. Com as importações mais caras, a inflação aumentou, além de obstaculizar a modernização das empresas nacionais que perderam competitividade para o resto do mundo. Isso nos leva a outra questão, qual a razão de um dólar tão elevado? As explicações são variadas, mas uma é inquestionável, a corrosão da imagem do Brasil diante do mundo afugentou investidores. A crise institucional, o extremismo político, a ameaça de ruptura democrática, o negacionismo cientifico, o retrocesso da política ambiental, tudo isso aliado a decisões econômicas desastrosas, isolaram o país, diminuíram a entrada de dólares, o que elevou o seu preço.

Como forma de tentar conter a escalada inflacionária, foi usada a velha ortodoxia monetária de elevação da taxa básica de juros (SELIC), saindo-se de 2% ao ano (janeiro 2021), para 9,25% (dezembro 2021), o que nos colocou entre os países com os juros mais altos do mundo. As consequências são dramáticas, a subida dos juros freia a economia num momento em que o país bate recordes de desemprego. O ano de 2021 fechou com aproximadamente 13 milhões de desempregados, 40% de trabalhadores informais e 10% de desalentados (trabalhadores que deixaram de procurar emprego). Paralelamente, a renda média do trabalhador despencou, fechando o ano em R$ 2449 por mês, o menor valor desde 2012 (início da contabilização do IBGE seguindo a metodologia atual). Além do mais, a elevação dos juros do banco central (SELIC) impacta diretamente a dívida pública, o que ameaça romper a lei do teto de gastos, provocando malabarismos contábeis para parecer que tudo está em ordem, com o deleite do sistema financeiro que bate recordes de rentabilidade.

Diante de tantas iniquidades, a miséria e a fome voltaram a assolar o país e atingem hoje 20 milhões de cidadãos brasileiros. É bom lembrar que somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, com recordes sucessivos de exportação. As imagens de mães desesperadas, disputando ossos de animais e restos de comida em caminhões de lixo, deveria nos envergonhar como sociedade. Onde está a mãe gentil que cantamos em nosso hino? Parece que nunca existiu para a grande maioria da população.

Miguel Luzio-Santos, professor de socioeconomia – UEL. Autor do livro: Ética e Democracia Econômica