Em 2020, o Brasil comemora os 30 anos da Lei 8.069/1990, texto que é mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), marco legal e regulatório dos direitos humanos de crianças e adolescentes no país. Promulgado menos de dois anos após o advento da Constituição Federal de 1988, o ECA deixou evidente que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e revogou a polêmica Lei 6.697/1979, também chamada de Novo Código de Menores.

Pela atual legislação, as crianças e adolescentes brasileiros têm como principais direitos o acesso à educação, cultura, saúde e segurança alimentar de qualidade, bem como a proibição do trabalho. Além disso, o ECA prevê expressamente que as crianças brasileiras devem brincar, praticar esportes e se divertir. A lei também dispôs que não cabe somente ao Poder Público e às famílias o dever de cuidado com as crianças e adolescentes, mas que também é papel de toda a sociedade garantir direitos, reivindicar e participar da elaboração de políticas públicas que deem conta dessa proteção.

Uma das principais conquistas do ECA nessas três décadas foi a redução de mortalidade infantil, que permitiu a sobrevivência de 827 mil crianças na primeira infância entre 1996 e 2017, de acordo com a Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O Brasil, porém, é apontado atualmente como um dos países mais desiguais do mundo. Segundo a Unicef, no mesmo período, 191 mil crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram vítimas de homicídio no país.

O acesso à educação, ainda mais em tempos de pandemia da Covid-19, quando os estudantes brasileiros precisaram se adaptar às aulas remotas, também merece uma atenção maior. De acordo com a fundação Abrinq, em 2018 havia 1,3 milhão de crianças e adolescentes fora da escola. As condições de ensino no Brasil precisam ser revistas com efetivo pacto federativo, por isso a importância, num contexto de tanta adversidade, da aprovação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

A pandemia tem escancarado a falência de um Estado neoliberal e a necessidade de sistemas integrados, democráticos e universais de proteção social; ela atinge especialmente as populações que vivem em condição mais desigual. Daí a importância de seguranças sociais como renda, para que a população possa ter acesso a um conjunto de serviços e benefícios. O contexto de enfrentamento da Covid-19 tem exigido de nós reflexões sobre que padrão de sociabilidade e proteção queremos para nossas crianças e adolescentes e para a população brasileira em geral.

Nesses 30 anos de ECA, o horizonte de direitos materializados e de vida digna para crianças e adolescentes permanece orientando compromissos e ações coletivas. A legislação, interligada com demais legislações sociais, já apresenta responsabilidades e direitos fundamentais. Resta efetivá-los e colocá-los, plenamente, em prática, agora e no pós-pandemia.

Jucimeri Isolda Silveira é professora do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas e coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da PUC-PR.