Sempre que encontrava Aníbal, o fotógrafo, ele estava agitado. Parecia que o tempo lhe era precioso demais, talvez por ter muito a registrar.

Nunca paramos para conversar, muito por conta de suas aparentes inquietações. Mas sempre o que via, tinha vontade de indagar: “por que seu nome é Aníbal”?

Ficaria feliz se me dissesse por conta de Barca, o general ativo da segunda Guerra Púnica que, com seus quase quarenta elefantes, derrotou os romanos no Trébia, Canas e Trasimeno, deixando Roma de joelhos.

Teria sido por conta de outro Aníbal, o Paz, uruguaio que, com seus companheiros da Copa de 1950, deixou toda uma nação genuflexa?

Ou teria sido em homenagem a outro Aníbal, o Machado, colaborador modernista que contribuiu para deixar prostradas as formas tradicionais? Talvez por conta de um simples vizinho ou de um nome que seus pais teriam ouvido e apreciado.

Não sei. Creio que nunca vou saber. Muito menos a partir de agora, quando Aníbal, o Vieira, se foi. No dia 1º de junho ele faria 70 anos.

Quantos registros teria feito Aníbal, o Vieira? Casamentos, comunhões, festas de fim de ano, inaugurações, tragédias, em uma arte que desejou arte, porém, pela provável necessidade de conservar a si e aos seus, tenha sido pouco compensadora.

Quantos sorrisos falsos teriam sido retratados por Aníbal, o Vieira? Quantos inimigos políticos teriam ficado lado a lado, tolerando-se por alguns instantes por conta da necessidade das poses solicitadas por Aníbal, o Vieira?

Quantas pessoas teriam sido alcançadas pelas lentes de Aníbal, o Vieira, desejando transmitir uma imagem de si ou de seu modo de vida, em uma representação ficcional? Quantos enquadramentos orientados por Aníbal, o Vieira, simularam existências desejosas de encenação de uma vida supostamente feliz?

Quantos fotografados teriam pedido a Aníbal, o Vieira, um tempinho para arrumações de visual, procurando a melhor pose para a autoimagem desejada e representativa dos valores morais da classe ou grupo social que pertenciam ou desejavam pertencer?

Quanta paciência teria tido Aníbal, o Vieira, junto aos dominados pelos fascínios da contemplação? Quantas imagens teriam sido captadas por Aníbal, o Vieira, para as falsas e apreciadas notas nas colunas sociais de jornais e revistas? Negativos do que quase sempre é negativo.

Diferentemente de Barca, Paz e Machado, Aníbal Vieira, como todo bom fotógrafo, sabia que o nome da lente (objetiva) perpassa a ideia da fotografia como a analogia da realidade, desde que neutra e isenta de distorções.

Porém, por ter o ofício e a obrigação de registrar pessoas, muito pela necessidade de manutenção, muito provavelmente Vieira teria deixado tal preocupação de lado, aderindo à visão da relação comum imagem-máquina e à simples retenção do fluxo temporal, sem muita poesia.

Em verdade, fotografia é mesmo a escrita com luz. O Vieira a teria feito. Não sei, como não sei, cada vez mais, de quase nada, muito menos da razão do nome atribuído a Aníbal.

Saiba, Aníbal Vieira, como todos que já deixaram a vida, no decorrer do tempo poucas vezes você será lembrado. Foi assim com Barca, com Paz e Machado. É provável, até, que tenham tido dificuldades para encontrar uma foto sua para estampar a nota dada por ocasião de sua morte. Fica a memória, que, quase sempre, esvai, como uma foto da foto.

Agnaldo Kupper, professor em Londrina

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