Todo ano damos de cara com opiniões raivosas a respeito dessa ou daquela figura mitológica representada em carnavais, dia das bruxas ou festas juninas. Invenções bobas para fazer crianças se comportarem e que hoje fazem adultos supostamente inteligentes serem doutrinados e controlados.

A estética do diabo na cultura geral vem carregada de sentidos perfeitamente adequados ao grito e alerta dos líderes de religiões de raiz judaico-cristã. Bradam a plenos pulmões que cairá sobre nós as catástrofes mais aterradoras por termos desfilado um carro alegórico com um chifrudo em cima, ou termos decorado nossas casas com temas pagãos, como artefatos de bruxas ou figuras folclóricas.

O que incomoda de fato é que a atenção do fiel é desviada para esses eventos culturais inocentes, bobinhos até, enquanto os verdadeiros demônios estão caminhando entre nós, em forma de pais, mães, avós, parentes, amigos, professores, líderes religiosos, chefes, perseguidores na rua. Gente que violenta e mata de bebês a idosos estão aí, livres, praticando abusos e ameaçando de morte a quem delatar seus atos maléficos. Esses sim têm o diabo no corpo, embora sejam eles próprios os responsáveis por seus atos e não qualquer figura nefasta saída das páginas das Escrituras, da Torá, ou do Alcorão, para tentar os humanos. Não! O diabo somos nós, e está mais do que na hora de assumirmos que precisamos parar de rezar para que a sociedade tome consciência do quão terrível é um carro alegórico com um demônio em cima e começar a agir quanto aos verdadeiros demônios que destroem vidas impunemente.

Nossos corações deviam sangrar por cada criança que um adulto assassina ou abusa, por cada mulher espancada e violentada pelo parceiro, por cada ser humano que sofra a violência cotidiana em segredo. Sangrar por cada vida indígena ou minoria devastada pela nossa forma de sociedade predatória, sangrar pelo sistema econômico que especula e cria bilionários ao mesmo tempo em que gera miséria generalizada em nações inteiras. Lembremos pois que, enquanto seres humanos bondosos e felizes, como fomos feitos à imagem e semelhança de Deus, assim também há seres humanos hediondos, que assumem a imagem e semelhança do diabo em pessoa, vestindo o personagem de formas inimagináveis.

L.R. Silva (escritor) Londrina