Um antigo provérbio latino dizia “louvai o mar, mas conservai-vos na margem”. Outro russo alertava “louva o mar, sentado no aquecedor”. O medo habita o desconhecido e por muitos séculos o mar era este lugar. Um espaço explorado pela literatura, com seres marinhos gigantes, monstruosos. No livro “História do Medo no Ocidente'', Jean Delumeau aborda incansavelmente o temor, por séculos, da representação do desconhecido mar, muito antes da gloriosa figura de Iemanjá.

O autor também relata que as populações do Ocidente foram diretamente afetadas, há alguns séculos, por um profundo abalo psíquico provocado pelo medo. A angústia tinha o poder de desagregar as sociedades por meio de indivíduos submetidos a remetidos estresses. Temores provocados pelo desconhecido, mas também por guerras, doenças, pelo oculto da religião. Eram fobias introduzidas em doses de desespero.

Em uma recente reportagem sobre casos de enfermeiros que não aplicaram corretamente a vacina contra a Covid-19, uma leitora perguntou se havia algum exame para comprovar a aplicação, pois ela iria sozinha e não tinha quem filmasse o procedimento. O medo! O medo de pegar a doença, de morrer, de transmitir para os próximos. O medo de não receber corretamente a vacina da qual tem direito. O medo de perder o emprego, de não ter dinheiro, comida. O medo de adoecer e não ter oxigênio ou remédios para intubação, ou de sequer ter vaga no hospital. O medo de pedir para alguém vestir a máscara e levar um soco na cara, ou um tiro. O medo de um golpe político, da instabilidade. O medo!

Vivemos um cenário perfeito para ampliar medos, assustar, causar confusão generalizada e, assim, nos apegarmos a qualquer saída divulgada como mais simples, rápida e fácil. Com o mar (!) de fake news que inundam nossa vida diariamente e também contribuem para encharcar a sociedade de medo, um possível Estado de Sítio pode ser divulgado como algo bom, uma solução viável e necessária. O medo está causando o momento perfeito para esta situação. Novamente o medo do mar, mas um mar de ignorância.

Diogo Cavazotti - mestre em Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário.