O trote e as ONGs
PUBLICAÇÃO
domingo, 04 de março de 2001
Na Universidade Estadual de Londrina (UEL) e na maioria das universidades brasileiras o ano letivo tem início nesses primeiros dias de março. E com ele retornam os 11.500 alunos que já estavam matriculados e também os novos 2.900 alunos aprovados nos vestibulares de ingresso em 2001. Mas além deles, também retornam os receios dos dirigentes universitários, dos professores, dos pais e da maioria dos alunos em relação ao trote acadêmico, ou seja, das ações violentas envolvendo calouros e veteranos.
Corro o risco de morder a língua nos próximos dias, mas arrisco dizer que neste ano teremos a recepção mais alegre, festiva, tranquila, criativa e solidária da história da UEL. Não só porque este seria um dos bons presentes que nossa universidade mereceria receber quando comemora 30 anos. Também porque sou, como dizem alguns amigos, um otimista incorrígivel e confio no feeling dos nossos jovens. Eles sabem que hoje em dia careta é ser troteado ou ser troteador.
Acho que o risco de morder a língua é pequeno porque nos últimos anos as iniciativas sadias, alegres e solidárias vêm ganhando terreno na maioria dos nossos 40 cursos universitários. Também porque 2001 é o Ano Internacional do Voluntariado e é o primeiro ano da Década da educação pela Paz, conforme declaração da ONU. E nossa juventude, na sua maioria, sabe disso.
Sabe e quer participar, como demonstrou recente pesquisa do IBOPE, que identificou que 36% dos jovens de 16 a 24 anos manifestam desejo de integrar uma organização não-governamental. Ou seja, estão dispostos a desenvolver algum trabalho voluntário junto a esse segmento, também conhecido como Terceiro Setor, que tem enorme prestígio junto a opinião pública.
E quem diz isso são milhares de entrevistados em vários países segundo artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo. Em termos gerais, o que se destaca é que as pessoas têm o dobro de confiança nas ONGs do que nos governos, nas empresas e na mídia. Metade dos entrevistados declarou que as ONGs representam os valores nos quais elas também crêem.
A UEL não é uma universidade fechada, isolada da sociedade. Foi criada pelo Governo Estadual graças a pressão da sociedade local e regional e com ela mantém fortes laços. Sem dúvida que precisa estreitar ainda mais seus vínculos com o setor produtivo e com os demais segmentos sociais. Os canais para isso acontecer são as atividades acadêmicas de pesquisa, de extensão e de prestação de serviços. E os agentes somos nós, professores, funcionários e alunos.
Essa interação pode e deve acontecer desde os primeiros dias de aula. É com essa visão que estamos convidando os dirigentes das ONGs londrinenses para discutir formas de participação nas Semanas de Recepção aos Calouros e assim tornarem mais conhecidas suas atividades junto a uma parcela importante da juventude. Fatalmente ocorrerão adesões de novos voluntários o que será muito bom para as ONGs pois a maioria vive sempre em tremendas dificuldades de sobrevivência.
No ano em que uma ONG brasileira, a Pastoral da Criança, está inscrita como candidata ao Prêmio Nobel da Paz, podendo vir a figurar ao lado da Anistia Internacional, do Greenpeace e do Médicos Sem Fronteiras, na minha opinião as mais prestigiosas organizações que compõem o Terceiro Setor em escala internacional, precisamos e devemos abusar da criatividade e da ousadia.
Participe você também. Sempre há uma maneira. Uma delas, por exemplo, se você não participa de nenhuma ONG, é desestimulando a realização dos famigerados pedágios pelas ruas da cidade, que não têm servido para outra coisa a não ser como momentos de humilhação e de risco para o tráfego. Outras existem, principalmente se você já desenvolve algum trabalho voluntário.
Não teremos Paz no mundo enquanto existirem conflitos armados, iniquidades e injustiças sociais. Não teremos Paz no campus universitário enquanto o vírus da violência e da intolerância estiver no terreno. Não nos interessa a paz dos cemitérios e nem a violência que muitas vezes é sua ante-sala. Queremos, junto com a sociedade, continuar construindo ambientes propícios ao desenvolvimento da ética e da cidadania.
Vamos discutir a realização de uma Mostra Coletiva de apresentação do trabalho desenvolvido pelas ONGs. Vamos discutir a criação de um Fórum Londrinense de ONGs, a exemplo do Paulista. Vamos, juntos, criar novas formas de dar as boas vindas aos novos alunos da UEL, ampliando as oportunidades de uma boa formação universitária.
- MARCIO ALMEIDA é vice-reitor da UEL.
