Há muito tempo, as eleições presidenciais dos EUA deixaram de ser um pleito cujas campanhas são um pré-teste das capacidades de governar de cada candidato para se transformar num espetáculo. Os americanos prezam a democracia ou pelo menos essa ideia que, ao longo das décadas, sobretudo após a Segunda Guerra, serviu de estandarte ideológico ao país que o ostenta para se firmar perante outras nações.

Democracia pressupõe uma liberdade de se expressar segundo as convicções de cada um, mas o fato é que nas condições atuais não se delimitam mais o peso da verdade ou da mentira como meio de expressão. As fake news estão aí como a maior prova de corrupção da integridade democrática não só nos EUA, como no Brasil e outros países do mundo.

Os EUA são mestres em exportar para o mundo as fórmulas de “combate ao adversário” em momentos acirrados de campanha. Neste jogo, nos últimos anos, permite-se quase tudo e uma revisão ética só passou a ser exigida, aliás não só lá como aqui, a partir do momento em que se constatou que as campanhas se transformaram num território em que as convicções ideológicas passaram por um banho consentido de fake news, que hoje mais atrapalham do que ajudam a democracia. Enganar os eleitores a partir de pressupostos de verdade e de justiça, usando muitas vezes de mentira e má-fé, é parte ardilosa de algumas campanhas que se converteram num vale-tudo.

O debate entre Donald Trump e Joe Biden, no último dia 29, foi visto por todo mundo como um espaço televisivo onde se lavou muita roupa suja sem que se tocasse, realmente, em propostas. O eleitor precisa se cuidar para não ser engolido pelo espetáculo no lugar da discussão de plataformas. Não importa se o embate é macro ou micro – ou se a eleição é presidencial ou municipal - é preciso perceber um mínimo de honestidade e não apenas ambição política nos candidatos.

Na noite desta sexta-feira (9), depois de ser diagnosticado e hospitalizado por Covid-19, Trump preparava-se para retomar a campanha e driblar a desvantagem que o coloca atrás de Biden nas pesquisas. Para isso, ele seria entrevistado e avaliado por um médico em rede nacional, na Fox News, transformando seu problema de saúde num show em que almeja o triunfo não sobre a doença, mas sobre um adversário de campanha.

Com recursos tecnológicos capazes de converter um “testemunho” médico em prova de força, superação e até virilidade, questões que nada têm a ver com a capacidade de governar se convertem em atração num autêntico programa de auditório. O mais assustador é observar que isso não é apenas um viés de crítica, mas de pura constatação da realidade.

Muitos eleitores não votam mais naqueles que parecem melhores para governar, mas naqueles capazes de interpretar personagens justamente no momento em que precisamos conhecê-los verdadeiramente como pessoais reais.

Obrigada por ler a FOLHA!