O poder da grana desmistifica e corrói a democracia - Hélio Doyle
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 06 de janeiro de 2000
O poder da grana desmistifica e corrói a democracia
Hélio Doyle
Warren Beatty co-escreveu o roteiro, produziu, dirigiu e interpretou o papel-título de Bulworth, filme que é uma das mais demolidoras críticas ao sistema político e eleitoral que os Estados Unidos aplicam e procuram exportar para todo o mundo. No Brasil, o filme recebeu o título idiota de Politicamente Incorreto.
Jay Bulworth é um senador corrupto e conservador, com discurso óbvio, que se candidata à reeleição. É democrata, eleito pela Califórnia. Insatisfeito, em crise, contrata um pistoleiro para matá-lo. E extorque do lobby das empresas de seguros uma apólice de US$ 10 milhões em nome da filha, prometendo impedir a aprovação de uma legislação a que as seguradoras se opõem.
Como vai morrer, Bulworth deixa de lado o comportamento ditado pelos consultores políticos e substitui os discursos formais pela franqueza. Pára de enganar e diz as coisas como realmente são. Inspirado pelos moradores negros do South Central de Los Angeles e especialmente por uma jovem de 26 anos o senador adota a linguagem do rap e chega a participar de um programa de televisão vestindo bermuda, camiseta e boné e usando óculos escuros.
A nova fase lhe faz bem a ele desiste de morrer. Os consultores, perplexos, descobrem que o estilo franco e descontraído de Bulworth desagrada aos que financiam sua campanha, mas agrada ao eleitorado.
É no programa de televisão que o senador, em ritmo de rap, desmistifica a democracia e as eleições que favorecem a quem tem mais dinheiro. Ele diz mais ou menos isto: Sou senador/Preciso de US$ 10 mil por dia em Washington/e quem me dá não é South Central/quem me dá é Beverly Hills. Ele e seus colegas representam na verdade os interesses de 20% dos eleitores, confessa.
Confessa também que vota no Senado como as grandes empresas e corporações que financiam sua vida política determinam. Depois, manda a conta para elas. E ironiza a igualdade de oportunidades para os candidatos. Se está concorrendo sem televisão/sem muita grana/você vai para o chão/ As corporações e as tevês/ acabam com você. Dizem que há liberdade de expressão, mas essa liberdade não paga a propaganda na televisão.
Esse tipo de democracia, baseada no dinheiro com que as grandes empresas financiam os candidatos, predomina hoje não só nos Estados Unidos como na maioria dos países. Há muitos outros Paulo César Farias por aí, no Brasil e no mundo o erro dele e de Fernando Collor foi o excesso de ambição e terem sido descobertos...
Isso explica, em boa parte, a sucessão de escândalos envolvendo grandes personalidades internacionais. O ex-chanceler da Alemanha, Helmut Kohl, está sendo investigado por ter recebido ilegalmente cerca de US$ 1 milhão como contribuição política. E há muitas outras acusações contra o ex-todo-poderoso da Europa. Nada que supere, claro, o que o ex-presidente da Rússia Bóris Yeltsin arrecadou em seu mandato fala-se em mais de US$ 15 milhões, mas Yeltsin não poderá ser investigado, pois renunciou em troca de uma imoral imunidade total concedida a ele, sua família e amigos.
O ex-primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu também está sendo investigado e agora o presidente Ezer Weizman é acusado de ter recebido US$ 450 mil de um empresário francês. Esses são apenas os casos que aparecem, uma ponta do iceberg. É claro que há exceções, mas na linguagem de Bulworth, se gritar pega ladrão, não fica um, meu irmão.
- HÉLIO DOYLE é jornalista em Brasília