Imagem ilustrativa da imagem O pix e seu correto uso
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O pix, criado em 2020, já superou, em muito, o uso de boletos bancários, transferências DOC/TED/TEC, sendo que apenas em maio deste ano foram 649,1 milhões de transações, frente a 126 milhões de transferências tradicionais, o que representa uma efetiva e real ameaça a bancos tradicionais, empresas de cartão e de máquinas de cartão.

Pessoas físicas são isentas de custos nessa modalidade de operação, enquanto pessoas jurídicas pagam taxa menor que as transferências tradicionais.

No entanto, é importante se compreender, até futura regulamentação, em que circunstâncias essa modalidade de operação deve ser adotada, para se evitar dissabores com tributações indevidas, bem como para evitar-se que a Receita Federal se ocupe com situações desnecessárias.

O que a população ainda não compreendeu é que o pix, diversamente das demais operações financeiras de transferência de recursos, possui uma base única de dados, que é controlada pelo governo – via Banco Central, enquanto as demais transações ainda são controladas diretamente pelas instituições financeiras (porquanto passíveis, em certas formas, de acesso pelo Estado e fiscalizadas pelo mesmo Banco Central).

Se acreditarmos que o governo nos possibilitou uma ferramenta gratuita para podermos, a qualquer momento do dia, movimentar valores com trânsito imediato, e que isso se deu porque o governo quer facilitar a vida dos brasileiros, talvez estejamos sendo inocentes demais.

O risco do acesso indiscriminado à nossa intimidade financeira é termos que ficar explicando situações desnecessárias, e sermos indevidamente mapeados por nossos hábitos financeiros que, nem sempre, representam receita tributável.

Logo, utilizar-se do pix para trânsito de valores (recebimentos e pagamentos), os quais não têm como destinatário final a pessoa que os recebe e os transfere, a exemplo de uso da conta da pessoa física para operações de pessoas jurídicas como as MEI, poderá ser equivocadamente interpretado como receita tributável, de modo que, ainda que mais custosas, para essas modalidades de operação é aconselhável manter-se o uso das transferências tradicionais.

Recentemente, o STF, no julgamento do RE 855.649, recepcionou o que se denominou de “depósito de origem não comprovada” para tributar o contribuinte pelo imposto de renda.

A definição acerca da possibilidade da quebra do sigilo bancário, para fins de tributação e ou para fins penais, tem sido uma verdadeira montanha russa. Diversos são os acórdãos do STJ e do STF permitindo e coibindo esse uso.

O STJ, no julgamento do HC nº 42.332/PR, afirmou que, para fins penais, a quebra do sigilo bancário deveria ser precedida de decisão judicial fundamentada no inciso XII do artigo 5º, e do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, de modo que esses dados bancários, sem ordem judicial prévia de quebra, seriam inválidos.

Já o STF, no julgamento do RHC nº 121.429, afastou a ilicitude da quebra de sigilo bancário para fins de ação penal, diversamente do que proferiu o STJ. E isso foi ainda replicado pelo próprio STF, no julgamento do AgRg em REsp 1.371.042 SP, que entendeu pela validade de requisições bancárias pelo Fisco, mesmo sem autorização judicial, para propositura de ação penal.

O fato é que posições irregulares devem, sempre, dar ensejo à atuação do Fisco. Mas e quanto àquelas regulares, que possam ser mal compreendidas pelo Fisco? Porque, saibam, com o pix, seu sigilo bancário ainda existe, mas agora está administrado pelo governo que, coincidentemente, gere também a Receita Federal.

Como visto, essa ferramenta é extremamente importante e realmente alterou, de forma profunda, a movimentação financeira, lembrando que nosso sistema financeiro, há muito, é exemplo de eficiência para outros países. Cabe tão-somente a nós fazermos bom uso dela, e entendermos que, em determinadas situações, as vetustas formas de transferências trarão melhor resultado, impedindo interpretações indevidas.

Quando Virgílio escreveu Eneida no século I A.C (II, 49), referindo-se ao Cavalo de Tróia deixado, citou: - “Tenho medo dos Gregos, mesmo quando nos oferecem presentes” (“Timeo Danaos et Dona Ferentes”). As entrelinhas estão claras.

Roberto de Mello Severo é advogado em Londrina