O pensamento liberal de Meira Penna
Maria Lucia Victor Barbosa
No próximo dia 13, no teatro do Crystal Palace Hotel, em Londrina, o Centro de Estudos Filosóficos de Londrina (Cefil), presidido pelo professor e editor-chefe da Editora UEL, Dr. Leonardo Prota, estará iniciando o 6º Encontro Nacional de Professores e Pesquisadores da Filosofia Brasileira, que se estenderá até o dia 15. Entre os conferencistas estarão presentes renomados intelectuais e professores de várias universidades brasileiras, assim como de universidades portuguesas e espanholas.
Por deferência do professor Prota, estarei entre os que no primeiro dia do encontro irão analisar temas referentes ao pensamento de José Osvaldo de Meira Penna. Um pensamento com o qual travei conhecimento primeiramente através de artigos publicados no ‘‘Jornal da Tarde’’ e, posteriormente, com a leitura dos inúmeros livros da autoria daquele que passei a respeitar como um mestre do pensamento liberal brasileiro.
A admiração que nutro por Meira Penna se deve ao seu enciclopédico conhecimento, sua coragem desmedida, suas convicções inabaláveis, seu estilo que, beirando às vezes a irreverência, traduz na ironia ou numa linguagem mais desabrida a teimosa e quixotesca esperança de lançar algumas luzes na parte mais obscura da intelectualidade nacional. Aquela que teima no apego a certas quimeras ideológicas ultrapassadas. Mesmo porque, o embaixador Meira Penna não pertence ao grande coro dos politicamente corretos. Não repete receitas requentadas de utopias. Não ostenta a corriqueira dor de cotovelo latino-americana que atribui nossas mazelas não aos nossos próprios erros ou fraquezas, mas a um hipotético demônio chamado liberalismo, que se abriga nos países desenvolvidos e nos fustiga impiedosamente com o tridente da liberdade de mercado, da democracia e da prosperidade.
Com o mestre Meira Penna compartilho a paixão pela liberdade, a ênfase na análise cultural, a preocupação pela ética, o gosto por certos autores, em especial, Alex de Tocqueville e Max Weber. E entre seus inúmeros livros posso citar: ‘‘Psicologia do desenvolvimento’’, ‘‘Decência jᒒ, ‘‘Opção preferencial pela riqueza’’, ‘‘A ideologia do século XX’’, ‘‘O evangelho segundo Marx’’, ‘‘Utopia brasileira’’, ‘‘O espírito das revoluções’’.
Mas quantos conhecerão o escritor de tão vasta obra, que ousa desafiar por escrito os gurus do socialismo tupiniquim? Talvez, não muitos, pois não somos exatamente o país que reverencia seus poucos talentos, que reconhece o mérito, que premia o esforço construtivo. E para que haja um mínimo esclarecimento, mister se faz apresentar Meira Penna aos leitores da Folha de Londrina/Folha do Paraná, nem que seja rapidamente:
José Osvaldo de Meira Penna nasceu em 1917, e hoje sua lucidez, versatilidade e raciocínio ágil, atestam que a mente que sempre trabalha pode se manter jovem. Bacharel pela Universidade do Brasil, fez cursos na Universidade de Columbia e Nova York. Tornou-se diplomata de carreira, e lecionou Ciência Política na Universidade de Brasília. No Itamaraty, ingressou por concurso em 1938, e os primeiros anos de sua carreira foram vividos no Oriente, Calcutá, Shanghai, Ankara e Nandjing. Na primeira vez que serviu na China (1942) foi surpreendido pela guerra, e da segunda, assistiu ao colapso do regime nacionalista chinês. Serviu ainda na Costa Rica, no Canadá e na missão brasileira junto às Nações Unidas, de onde voltou ao Itamaraty para chefiar a Divisão Cultural (1956-1959), ao tempo da construção de Brasília, para cuja divulgação no exterior muito contribuiu. Como cônsul-geral em Zurique, aprofundou seus conhecimentos de psicologia analítica, frequentando durante três anos o Instituto C. G. Jung (1960-1963), onde também passou a pronunciar, regularmente, conferências. Foi ainda embaixador na Nigéria, secretário-geral adjunto do Ministério das Relações Exteriores para a Europa Oriental e Ásia, embaixador de Israel (1967-1970), assessor do Ministério de Educação e Cultura, embaixador na Noruega, no Equador e na Polônia, onde encerrou sua carreira.
Viver e trabalhar em tantos lugares, experimentar a visão de tantas culturas diferenciadas, certamente contribuiu para alargar a visão do embaixador, burilar suas convicções, ampliar sua erudição. Mas nada disso seria suficiente se não fosse sua peculiar personalidade e um intelecto privilegiado, capaz de assimilar vivências para transformá-las em conhecimento. E com certeza, é neste sentido, que assim se pronunciou o escritor peruano Mário Vargas Llosa: ‘‘Nem todos são capazes, como o embaixador, de enxergar claramente, desde o princípio, no complexo e conflitivo campo das idéias políticas, dos sistemas filosóficos e das teorias econômicas’’. E Roberto Campos, uma das inteligências mais brilhantes do Brasil, assim se refere ao colega do Itamaraty: ‘‘Meira Penna é um expoente da pequena ala de intelectuais do Itamaraty que não se deixaram contaminar pelas ideologias coletivistas... Ele se entregou à tarefa crespa, porém urgente, de desmitificar mitos...’’
Nos livros, artigos, palestras do embaixador publicadas em revistas especializadas, e mesmo alguns textos inéditos que me chegaram às mãos, a ‘‘tarefa crespa’’ é muito clara. Nas inéditas ‘‘Estórias’’ pouco diplomáticas de Cândido Pafúncio, por exemplo, a vida se converte em ficção e a ficção em expressão de impressionante vigor, mordacidade, irreverência e ironia. A crítica incide desde o pernosticismo e o falso conteúdo dos soit-disant intelectuais, até a contundente sátira aos procedimentos modernosos da Igreja, que Meira Penna despeja numa ‘‘Missa Negra’’. Nessa ‘‘Missa’’ pouco convencional, transborda a alma de um inconformado e, quem sabe, de um homem dotado de profunda religiosidade. Já em outro texto, ‘‘Vade retro satanás’’, surge um incrível estudo da ética, acompanhado de profunda reflexão filosófica a cerca do bem e do mal e da ‘‘demonização’’ weberiana da política.
No dia 13, será um prazer rever Meira Penna e reencontrar seu pensamento. Afinal, ele faz parte do restrito grupo que se entrega à tarefa crespa de desmitificar mitos.
- MARIA LUCIA VICTOR BARBOSA é socióloga, escritora e professora universitária em Londrina
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