O papa Francisco e a reforma da Cúria Romana
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segunda-feira, 28 de março de 2022
Manuel Joaquim R dos Santos
Não é de hoje que os católicos de todo mundo escutam falar que o papa Francisco tem um projeto reformista para a igreja católica! Eu prefiro usar o termo reformador. Mas no que concerne ao documento que foi apresentado dia 21 de março e entrará em vigor no Pentecostes, dia 5 de junho, sob o título em latim, praedicate evangelium, será justo lembrar que os trabalhamos que conduziram a esta Constituição, são anteriores à eleição deste papa.
Outrossim, diga-se que será uma suma elaborada, das reformas já implementadas nos últimos anos, por Francisco. O cerne de todas elas e desta síntese, é com certeza a essência do próprio cristianismo e da Igreja em si, na sua missão: uma estrutura que esteja por excelência a serviço da evangelização, primordial objetivo da Instituição Católica!
A administração central da Igreja se dá através da Secretaria de Estado, dos tradicionais Dicasterios e Organismos juridicamente iguais entre si e em geral comandados por cardeais e bispos. Para agilizar e otimizar os seus objetivos, o papa procedeu a algumas articulações entre eles.
A mais significativa foi a união do Dicasterio para a Evangelização, com o Pontifício Conselho para a Nova Evangelização. Com uma novidade: quem comanda diretamente esta superestrutura é o próprio papa!
Tratando-se do papa Francisco, também não ficamos surpresos com a elevação da “Esmolaria” da Santa Sé (um organismo que cuidava da caridade e da ação social), ao status de Dicasterio! O “Dicasterio para o Serviço da Caridade”!
Assim ele fica definido: “O Dicastério para o Serviço da Caridade, também chamado Esmolaria Apostólica, é uma expressão especial da misericórdia e, partindo da opção pelos pobres, os vulneráveis e os excluídos, exerce em qualquer parte do mundo a obra de assistência e ajuda a eles em nome do Romano Pontífice, o qual, nos casos de particular indigência ou de outra necessidade, disponibiliza pessoalmente as ajudas a serem alocadas".
A Comissão para a proteção de menores, que se revestiu de grande importância nos últimos anos, passou a integrar o Dicasterio para a Doutrina da Fé, embora funcione com autonomia nas regras e com o seu pessoal próprio. A Comissão tem a tarefa de prevenir os crimes; a seção disciplinar do Dicasterio, deve conduzir a ação criminal contra eles!
Porém, creio que o mais relevante desta Constituição Apostólica, seja o que encontramos logo no início: “Todo cristão, em virtude do Batismo, é um discípulo-missionário na medida em que encontrou o amor de Deus em Cristo Jesus. Não se pode ignorar isso na atualização da Cúria, cuja reforma, portanto, deve incluir o envolvimento de leigas e leigos, também em papéis de governança e responsabilidade"!
Isto já aconteceu com a nomeação de um leigo, Paolo Ruffini, como prefeito do Dicasterio para a Comunicação. Torna-se este fato possível, na medida em que o poder de governo na Igreja não vem do sacramento da Ordem, mas da missão canônica, concedida pelo Santo Padre.
Como nos encontramos num momento de sinodalidade em que a palavra mágica é “escuta”, o modus operandi da Cúria Romana não poderá ser outro, que não a comunhão com os bispos nas respectivas dioceses, estando inclusive a seu serviço! Após o Concílio Vaticano II da década de sessenta, as Igrejas Particulares (dioceses) obtiveram a importância devida, e nada mais justo e lógico que a Administração Central no Vaticano as contemple como “o lugar por excelência onde acontece a missão primeira da Igreja”.
O atual papa age discretamente, mas de modo eficaz. Não têm sido poucos os discursos, os documentos e as atitudes que denotam uma vontade explícita de atualizar as premissas do mencionado Concílio tornando a Igreja cada vez mais fiel ao seu Fundador e relevante no mundo atual. A Cúria romana precisava captar a urgência desta premissa e se tornar ágil no governo da Igreja à luz do que se propõe o atual papa!
Contudo, “Curia semper reformanda”. O antigo axioma sobre o caminho sempiterno da reforma da Igreja, vai bem com o processo de reorganização da Cúria Romana!
Manuel Joaquim R dos Santos é padre na Arquidiocese de Londrina