Francisco, nascido Jorge Mario Bergoglio (Buenos Aires, 17/12/1936), foi o mais extraordinário dos papas de nossa era – e não sou apenas eu a dizê-lo...

Sua Santidade iniciou o pontificado em março de 2013, enquanto 266º papa da Igreja católica. Jesuíta de formação, foi o primeiro papa de sua ordem e o único a utilizar o nome de Francisco.

Homem humilde, revelou-se apóstolo da misericórdia divina e se notabilizou por defender minorias. Ademais, incentivou diálogos inter-religiosos, sempre em atenção ao respeito pela fé.

Destacou-se, ainda e também, por professar uma igreja mais aberta e acolhedora, na consideração primeva ao outro, (re)significando a essência do cristianismo em sua visão crítica ao consumismo que informa o capitalismo selvagem.

Foi, sobretudo e ademais, atento defensor da natureza, como se vê na encíclica ‘Laudato Si’, onde abraça a pauta climática, defendendo vigorosamente a urgência da adoção de medidas e políticas que mitiguem as agressões do capital à natureza.

Recebeu e acolheu inúmeros jovens sem se deixar levar pela facilidade em dizer o óbvio, conforme se vê em sua acolhida à viçosa ativista sueca Greta Thunberg, a quem sugeriu ‘ir em frente com sua batalha’.

Apoiou publicamente o padre brasileiro Júlio Lancellotti, reconhecido ativista contra fome que, ao distribuir comida às pessoas em situação de rua, amealhou uma tantada de homúnculos a lhe ameaçar pelo gesto solidário. O Santo Padre, quando notícia teve das ameaças, ligou ao padre Júlio, parabenizando-o pelo ótimo trabalho.

Assim é que questionou adultos de todas as partes e tendências sociopolíticas, sendo que a propósito das guerras recentes (Ucrânia e Rússia) reiterou falas públicas e específicas em prol da recomposição imediata da paz.

Foi, ademais, severo crítico do genocídio palestino, sem desmerecer ou questionar qualquer patamar do povo judeu e suas filigranas, naquilo que soube separar os hebreus de seu atual governo sionista.

Esculpiu modelos de vida que valorizam marcos civilizatórios abandonados no enviesamento das relações de produções estabelecidas pelo grande capital, sugerindo a mitigação explorativa das gentes e da natureza, na correção de prumos de bem viver.

Falou da grandeza da mulher, criticou o machismo, acolheu os homossexuais, abençoou os casais de segundo casamento (reconhecendo-lhes o direito à benção da comunhão), falou em favor dos imigrantes (lembrando dele próprio enquanto imigrante no Vaticano), bem assim revisitou (apoiando) uma série de pautas progressistas então divorciadas da Santa Igreja Católica...

Falou, inclusive, de seu sonho com uma Igreja pobre (‘com e para os pobres’), sugerindo maior aproximação valorativa das questões sociais (tornando-as mais presentes), bem assim em atenção as demandas espirituais – onde a humildade precedesse as demais circunstâncias.

Servir era, para Francisco, o apanágio de sua missão terrena enquanto representante da Igreja Católica – o que lhe colava uma medida de grandeza dificilmente compartilhada pelos pares, quase todos criaturas de uma Igreja voltada para si mesma...

Assim, pelo natural desapego ao poder, Francisco comprou as batalhas político-religiosas mais caras da história recente da Igreja, deixando em legado um papado que jamais se curvou ao interesse prostituído no poder político.

Talvez Francisco tenha sido o maior homem do século XXI, justamente porque colocou o outro (na acepção da expressão) acima do imobilizado da Santa Madre Igreja.

Francisco, ademais, pediu perdão aos fiéis (e aos infiéis) pelos pecados (referidos enquanto ‘erros e injustiças’) cometidos pela Igreja, incluindo neste cenário de recomposição a inquisição.

Um papa que ao reconhecer ‘erros e injustiças’ cometidos pela Igreja, se penitencia e pede perdão, não iria agradar aos que, nababescamente, se locupletaram nesta condição...

Francisco foi um amigo extraordinário que não conheci pessoalmente, ainda que tivéssemos sido lindeiros (Brasil e Argentina). Além disso, apaixonados por futebol (Ele San Lorenço, eu Corinthians), temos o herói trocado (Ele Pelé, eu Maradona). Não sou um homem de igreja enquanto Ele é o maior líder espiritual dos católicos...

Assim e então, em que sobejem distrações entre nossos sentidos e descontinuidade por nossos caminhos, Francisco soube encontrar em mim (um católico que abandonou a igreja e não a fé) o outro que tanto acolheu.

Foi nessa ambiência de diversidades que eu cresci enquanto cidadão observando um homem maior que os demais falando de amor, Deus, empatia, natureza, serviço, comunidade, acolhida. Este homem, sem jamais ter me conhecido, me albergou em suas ações, me acolhendo por sua visão de mundo.

Foi exatamente assim que, por amor à Bergoglio, me curvei à grandeza de Francisco. Com sua morte os que amam perderam, católicos ou não.

Francisco presente!

Tristes trópicos, saudade Pai!

João Gomes Filho, advogado

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