O País de pernas pro ar - Gaudêncio Torquato
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quarta-feira, 01 de março de 2000
O País de pernas pro ar Gaudêncio Torquato O País está de pernas pro ar. Constatação exagerada, força de expressão? Os fatos são claros e as conclusões podem até ser diferentes, de pessoa para pessoa, mas uma coisa é certa: a ilógica está beirando o absurdo. Os juízes, que julgam sobre a legalidade das greves, ameaçam parar o País. Um magistrado da mais alta corte do País, o Supremo Tribunal Federal, acolhe uma liminar que concede um auxílio-moradia de até R$ 3 mil aos juízes. Mas as leis 4.348/64 e 5.021/66 proíbem concessões de aumentos salariais ou vantagens por meio de liminar. Portanto, o magistrado, que deveria ser um guardião da lei, comete uma violação. Uma pergunta: se um pobre coitado, que vive do salário mínimo, entrar com uma liminar pedindo auxílio-moradia, será atendido pelo STF? A par das questões normativas, há uma questão de fundo. O auxílio-moradia, um achado para evitar a greve nacional dos juízes, é uma afronta ao bom senso, quando contrastado com o parco salário mínimo em discussão, entre R$ 160 e R$ 180. A luta dos pobres e a guerra dos ricos lembram um famoso dito do marechal Erwin Rommel, quando, em tempo recorde, colocou sua blitzkrieg em ação no Norte da África, massacrando com os tanques nazistas as forças aliadas. Contemplando o cenário devastado, o marechal foi cáustico: Os pobres nunca deviam fazer guerra. É claro que os juízes não são ricos e merecem ter os seus salários ajustados, como, aliás, qualquer trabalhador brasileiro. Mas, nessas batalhas por melhores salários, há que se agir de acordo com o senso comum, esse sentimento generalizado de justiça e legitimidade que os cidadãos conservam em seus corações. O senso de justiça aponta a contradição. O andar de baixo merece mais reforço que o andar de cima. Os contingentes de um salário mínimo sofrem muito mais que os grupos de muitos salários mínimos. Essa é a primeira vergonha. De onde se tirou essa idéia do auxílio-moradia? Do Congresso, dizem os juízes. Mas eles esquecem que só tem direito a auxílio moradia o parlamentar que não reside em apartamento funcional. Ou seja, pinça-se a exceção para transformá-la em regra. Mas o que está por trás de tudo isso é a questão do aumento salarial. Os poderes da República Executivo, Legislativo e Judiciário não chegaram a um acordo sobre o teto unificado. A reivindicação do Judiciário está em torno de R$ 12,7 mil, que é o máximo recebido por ministros do Supremo que acumulam funções no Tribunal Superior Eleitoral. O governo se recusa a fazer um acordo, alegando que o aperto na economia não condiz com reajuste do funcionalismo. O Poder Legislativo se recusa ao acordo, porque teme ser execrado pela opinião pública. E o Judiciário força a barra, abrindo caminhos alternativos, por meio de liminares. Ou seja, falta vontade política para resolver o impasse. Essa é outra vergonha. Ora, conviver e, mais que isso, equacionar problemas faz parte do exercício dos governantes. E por que o governo não se mostra disposto a passar a limpo essa questão? Por tibieza. O presidente não é lá um homem decidido, pronto a agir de maneira tempestiva. Deixa a coisa rolar, infla balões de ensaio para avaliar as tendências da opinião pública, e só depois de muita pressão, começa a decidir. O medo de abrir arestas com o FMI está presente nas almas geladas que sentam na mesa da economia. A visão argentário-economicista dá o tom e o clima do País. Por isso, o desgaste do governo se acentua, como acaba de comprovar mais uma pesquisa de opinião pública. A crise institucional ganha volume. Os poderes estão se engalfinhando. Os ânimos se acirram. E a sociedade, já muito distanciada dos políticos e das instituições, aumenta a dose de descrença e de desprezo. Fazia muito tempo que eu não ouvia pessoas opinando, numa emissora de rádio da capital paulista, com tanta contundência sobre a situação do País. Entre substantivos e adjetivos, alguns parecem um soco na cara dos governantes: Corja de bandidos, camarilha, aproveitadores, ladrões, sem-vergonha, mentirosos, falsos. Imagine-se a imprecação que vem por aí lá nas proximidades da eleição municipal. - GAUDÊNCIO TORQUATO é jornalista, professor universitário titular em São Paulo e consultor político E-mail: [email protected] www.vereador2000.com.br