Victor Hugo Agudo Romão

Sempre quando vamos discutir o atraso do Brasil, a questão da educação vem à tona e o exemplo educacional coreano é colocado como argumento de um caminho que poderíamos ter trilhado, mas por miopia dos governantes nos foi negado. O exemplo coreano não pode ser negado, deve ser aceito como verdade absoluta. Mesmo quando poucos dados, quando estes são apresentados, sejam colocados como argumento.
No entanto, os dados do Banco Mundial nos mostram o quanto de idealização e fantasia existe nesse tipo de argumento sobre a Coreia do Sul. O investimento médio na década de 70 foi de apenas 2,95% do PIB na Coreia, tendo chegado a irrisórios 2,12% do PIB em 1975. O pico de investimento na educação foi de 3,75% do PIB em 1971.
Para termos uma base de comparação, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) apontou que investimos 6,2% do PIB em educação em 2013, portanto, mais do que o dobro do que os coreanos investiram em educação nos anos 70. Em 2011, o Banco Mundial mostra que os coreanos investiram "apenas" 5,24% do seu PIB em educação.
Os dados da Unesco também refutam a tese de que os coreanos investiriam 6 vezes mais por aluno do ensino médio do que o Brasil. Enquanto, os coreanos investiram US$ 7,1 mil dólares PPP (paridade de poder de compra) por aluno do ensino médio em 2011, o Brasil investiu US$ 2,39 mil dólares PPP. Desta forma, a diferença de investimento por aluno é completamente explicada pelo maior PIB per capita da Coreia, não havendo um maior empenho dos coreanos em investir na educação secundária.
Outro mito é que diferença estaria na priorização que o Brasil dá ao ensino superior. Os números da Unesco mostram que o governo brasileiro investiu 0,92% do PIB em suas universidades, o que não deixaria nenhum coreano boquiaberto, uma vez que seu governo investiu 0,82% do seu PIB no ensino superior. Cabe também mostrarmos que a situação brasileira não é nenhuma excrecência tropical: Áustria (1,56%), Argentina (1,22%), Canadá (1,92%), Chile (0,95%), Dinamarca (2,42%), França (1,29%), Alemanha (1,38%), Índia (1,26%), Suíça (1,37%) e Estados Unidos (1,39%) retiram qualquer culpa de investirmos em universidades.
Na educação primária, o Brasil investiu 1,82% do PIB em 2010, um exemplo para a Coreia do Sul que destinou apenas 1,58% para tão importante fase na educação de uma criança.
O exemplo educacional coreano estranha o mais importante economista daquele país, o professor de Cambridge Ha-Joon Chang. Segundo este iconoclasta professor coreano, a arrancada coreana e de Taiwan ocorreram em momentos que a educação desses países era pior do que a de Filipinas e Argentina, países que ficaram claramente para trás no processo de desenvolvimento econômica.
Chang mostra que uma das sociedades mais produtivas e inovadoras do mundo, a Suíça, possuía até meados dos anos 90 taxas de matrícula universitária de 16%, número muito próximo dos nossos 13% tão criticados.
A crítica de Chang avança para a forma como a educação está organizada em todo o mundo. Qual a importância de toda a matemática ensinada para o trabalho de um grande designer? E qual a importância do aprendizado de biologia para a produtividade de um banqueiro?
Durante o processo eleitoral, a presidente Dilma Rousseff apontou para a necessidade de repensarmos os currículos. Uma discussão muito mais profunda e relevante do que a discussão de mais aportes. Mas o cavalo passou encilhado e ninguém montou, pois ainda estávamos presos a velhos mitos.

VICTOR HUGO AGUDO ROMÃO é economista em Londrina



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