O desabafo da democracia
O ódio foi alimentado e produziu as cenas do dia 8 de janeiro de 2023
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 03 de dezembro de 2024
O ódio foi alimentado e produziu as cenas do dia 8 de janeiro de 2023
Wilson Francisco Moreira
Imaginávamos impensável uma nova e ousada tentativa de golpe de Estado no Brasil após os dolorosos anos de chumbo. Imaginávamos! Eis que surge uma seita instalando-se no Planalto com o fervoroso desejo de lá permanecer conduzindo a nação rumo às trevas da idade média. O impensável tornou-se concreto com a derrota do referido grupo nas eleições presidenciais de 2022.
A profusão de mentiras sobre o sistema eleitoral e a distorção da realidade convenceu os seguidores a aderir a um movimento contestatório ao presidente eleito. “O ladrão não irá subir a rampa”, esse mantra foi repetido à exaustão pelos desalojados do Planalto. Convocações para manifestações em frente a quartéis tornaram-se constantes e em pouco tempo os quartéis estavam repletos de cidadãos pedindo uma intervenção militar.
Os mesmos líderes que travaram a luta contra a vacina para a Covid-19 entraram na luta contra a posse do presidente eleito. Deputados, senadores, empresários, militares, pastores e diversas lideranças foram incitadas a manifestarem-se diuturnamente contra o resultado das eleições. O ódio foi alimentado e produziu as cenas do dia 8 de janeiro de 2023. Jornalistas, donas de casa, simples trabalhadores ambulantes, desempregados, idosos, etc. Foram enredados numa trama novelística e usados para justificar uma possível intervenção militar desejada para finalizar o golpe militar que estava em planejamento.
O governo 2019-2022 fez de tudo para desestabilizar as instituições brasileiras. Eram atacados constantemente a imprensa, os que defendiam o meio ambiente e os que defendiam a ciência, entre outros. O imaginário era combatido todos os dias e o governo vivia de confusão e redes sociais. Já, em 2019, o questionamento das urnas era pauta obrigatória no governo. Nunca houve prova de fraude nas urnas eletrônicas, apesar do ex-presidente sempre dizer que as tinha, assim como nunca houve as provas que as vacinas eram maléficas como diziam e dizem até hoje.
Agora soubemos que o braço militar do grupo tinha plano para assassinar o presidente eleito, o vice e um ministro do Supremo Tribunal Federal. A luta contra o “comunismo” ultrapassou os limites democráticos em muitos graus. A democracia e a justiça permaneceram, apesar dos ataques, que aliás continuam. Querem anistia para continuar com os ataques, querem anistia para continuar disseminando o ódio pela sociedade brasileira. Querem a liberdade de expressão para continuar cometendo crimes contra a democracia e contra a justiça.
A democracia demonstrou que está sólida e vigilante e a justiça pode sim dizer “perdeu mané”. Perdem os que apostam em golpes militares e em enredar incautos para causas perdidas. Perdem os que vivem de ódio e mentiras. Sobretudo perdem aqueles que insistem em acreditar em soluções simples e autoritárias para governar uma nação. Perdem os que querem desacreditar as instituições com bravatas para se beneficiar com isso.
Nada mais justo que os que cometeram crimes contra a democracia sejam punidos dentro do processo legal. Quem não cometeu crimes, que seja absolvido. É triste que estejamos numa página tão inacreditável de nossa história. Que então este período sirva para corrigir a rota e sedimentar a democracia e os princípios da justiça. Que os líderes que ora estejam no mesmo barco dos agressores às instituições percebam seus erros, repensem seus ideais e abracem a democracia. No mais, que não haja anistia aos que atacam a democracia.
Wilson Francisco Moreira, poeta, sociólogo e policial penal em Londrina.