Há mais ou menos um ano, dois cientistas chineses publicavam um artigo científico que não teve grande impacto na comunidade acadêmica internacional, tampouco chamou a atenção da imprensa e das autoridades. Era anunciado que um surto futuro, o coronavírus, com origem nos morcegos, iniciando na China, devastaria parte da humanidade.

As notícias começaram a brotar nas últimas semanas de 2019, quando médicos notificaram um aumento do número de crises respiratórias na cidade de Wuhan, na porção leste da China. O que era profecia, tornou-se realidade pelo mundo afora, inclusive no nosso mundo e em nossas casas e famílias.

O coronavírus tem revelado uma dupla face da humanidade: uma parte egoísta, de um ser humano completamente imoral, que só pensa em si mesmo, totalmente irresponsável e, de outra parte, um ser humano altruísta, solidário e fraterno. Este, um ser humano que nos faz ainda acreditar na humanidade como um projeto bom de Deus. “E ele viu que tudo era bom” (Gêneses 1, 31). Aquele, um ser humano que confirma a ideia de que o homem é em si mal e egoísta. Um “...homem que é lobo do próprio homem” (Hobbes).

O egoísmo mata e tem diferentes facetas. Pode vir dos céticos-negacionistas que fecham os olhos para as projeções científicas sobre a doença e para os cenários emergenciais enfrentados por países com estrutura de primeiro mundo e populações muito menores que a nossa; mas também pode partir de jovens egocêntricos meramente irresponsáveis e inconsequentes, que não ligam para a taxa de letalidade em torno de 0,2% para sua faixa etária, mas esquecem-se que não estão sozinhos no mundo e serão transmissores em potencial para seus pais e avós.

Foi irresponsavelmente e imoralmente assustador o que aconteceu essa semana em nosso país, cidades onde, mesmo com a situação de emergência declarada por sete dias, que restringiu o funcionamento dos serviços considerados não essenciais e, consequentemente, a circulação de pessoas pelas ruas, houve quem não seguiu as recomendações e se dirigiu às praias do litoral entre a manhã e o início da tarde, o que demandou medidas mais enérgicas das autoridades. O que revela uma atitude de insanidade mental e moral. Mental, pela histeria e falta de equilíbrio que desemboca em atitudes de agressões, sejam físicas ou verbais. Moral, pela completa falta de senso de responsabilidade com a coletividade.

No entanto, nem tudo está perdido, do outro lado, o que não é insano, mas solidário e não egoísta, encontramos seres humanos com gestos dignos de serem chamados de divinos, revelando um lado diverso da mesma face humana. Na Itália, por exemplo, pessoas cantaram juntas nas janelas, numa atitude de levar um pouco de conforto e alegria a quem se encontra isolado e trancados em suas casas. Atitude simples, mas que revela um profundo gesto de preocupação com o outro, uma profunda ética da alteridade, em tempos que o cuidar do outro é tão importante quanto cuidar de si mesmo.

O coronavírus não é uma pandemia que se vence com a filosofia do cada um por si e Deus por todos, pois não resolve uma pessoa se isolar se as demais não se isolarem. O que vai acontecer é que aquele que não se isola transmitirá para os outros, os que estão isolados. É preciso que os jovens entendam que mesmo sendo da classe com menos riscos, podem, se não se isolarem, constituírem-se como portadores para seus pais e avós. O que vale, como regra é o princípio da solidariedade. Sendo assim, lutemos para que a doença biológica, que também nos torna doentes psicológicos, não nos torne doentes morais.

. Lino Batista de Oliveira, coordenador do curso de teologia da PUC- Pr