O celibato obrigatório dos padres sob escrutínio
O Papa Francisco não teme colocar sobre a mesa “tudo que pode e deve ser discutido”!
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quarta-feira, 24 de janeiro de 2024
O Papa Francisco não teme colocar sobre a mesa “tudo que pode e deve ser discutido”!
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos
O meu querido avô, costumava sentenciar: “tudo que tem começo, tem fim”! Não estava errado. O celibato dos padres, teve um começo. E esse início, não se situa tão longe de nós, como alguns leitores pensariam. Muito menos nos tempos apostólicos ou mesmo entre os discípulos mais próximos de Jesus (Mc 1,29). Remonta oficialmente ao começo do segundo milênio.
Ou por outras palavras, ele “foi surgindo”, uma vez que antes do veredito final, havia já um modus operandi entre o clero e principalmente na vida monástica, tanto nos ascetas solitários do deserto, quanto principalmente com o surgimento de mosteiros a partir do século IV e de modo especial com regras, como a de S. Bento, no final do século V. Outros Concílios do primeiro milênio, entre os quais do de Elvira, já impunham a abstenção sexual aos clérigos em determinados períodos.
Contudo, podemos dizer que antes do século XII, a Igreja titubeava sobre o tema, entre idas e vindas! O nepotismo a obrigou a se definir! É no primeiro e segundo Concílios de Latrão, que se estabelece a obrigatoriedade do celibato aos clérigos católicos romanos.
Em seu sentido genérico, o celibato é a condição de quem, por opção, não contrai matrimônio. O celibato sacerdotal romano, porém, é quando essa escolha é feita por alguém, que não tem opção de viver sua vocação presbiteral de outra forma! Por óbvio, não se trata de uma escolha, mas de uma adesão a uma norma disciplinar, até ao momento, condição sine qua non para o exercício do presbiterato católico romano.
É certo que o celibato não é exclusividade nossa. Encontramo-lo em monges budistas e também já o víamos nas vestais, sacerdotisas da deusa Vesta, da Roma antiga. No Antigo Testamento, apesar de haver recomendação de abstinência sexual em determinados momentos (Ex 19), o celibato não tem qualquer sentido. Assim, como a própria virgindade. Aliás, a maior desgraça para uma mulher judia era a esterilidade!
A discussão, portanto, sobre os que “servem ao altar” se “absterem de suas esposas e não gerarem filhos” (Elvira, cânon 33) e as futuras determinações, estão muito mais ligadas a uma situação contextualizada de degradação moral do clero, à própria organização da Igreja surgida toda poderosa na decadência do Império Romano e finalmente, a uma visão negativa do matrimônio ou a uma atitude subsequente de “fuga mundi”. A elaboração “teológica” embasando o celibato, como a identificação com Cristo ou a dedicação exclusiva ao Reino, é posterior e foi desenvolvida a partir principalmente da Reforma. No Concílio de Trento pelos anos 1555, ainda se ouviam lamúrias da dificuldade da observância do celibato.
Não é de agora a discussão sobre o celibato obrigatório disciplinar. Porém, Roma nunca deu aval a qualquer inciativa que indicasse novos rumos. Mas nós vivemos hoje uma mudança de época, que atinge a Igreja como um todo e a obriga a se repensar, à luz do Espírito. O Papa Francisco não teme colocar sobre a mesa “tudo que pode e deve ser discutido”!
Questões não dogmáticas, o são por natureza! Sendo assim, o celibato obrigatório pode ter os dias contados. A consulta mundial da primeira fase do Sínodo, não se fez rogada ao trazer essas e outras demandas, como a ordenação diaconal de mulheres.
A exigência do celibato entra em rota de colisão com o resgate da teologia matrimonial. Exige-se do candidato a abdicação de uma vocação para seguir a outra, como se elas fossem, na sua essência, incompatíveis! É um equívoco! São dois modos de servir a Jesus Cristo e ao seu Reino, plenamente conciliáveis, tendo em conta que a maioria dos candidatos ao sacerdócio tem “inclinação natural” ao matrimônio.
O celibato de hoje é, outrossim, correlacionado ao poder e à configuração institucional da Igreja. Isso é delicado. Nenhum dos leitores imaginaria “uma normalidade” amanhã, em que os padres casassem e tivessem seus filhos e aparentemente tudo como antes! Como imaginar o nosso arcebispo, que gosta de transferir os padres a cada seis anos, fazê-lo com “tanta facilidade”, tendo a maioria dos seus presbíteros com família? A queda do atual modelo será possível apenas, sob a égide das reformas mais profundas na dimensão do Ministério Ordenado, e daquelas que já estão em curso mundo a fora, na reestruturação das Comunidades. Será sim, um nascer de novo. Mas necessário.
Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina
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