O maestro e compositor erudito brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959) defendia: ''A música é um indispensável alimento da alma humana e um fator imprescindível à educação da juventude.'' A frase de um dos maiores artistas da história do Brasil traduz com perfeição o pensamento de especialistas da atualidade. O argumento é que a prática musical favorece o desenvolvimento das habilidades motoras, sociais e cognitivas, estimula a concentração e colabora no processo de aquisição da linguagem.
''O contato com a música deve começar na primeira infância, de preferência na gestação. A partir do quinto mês de gravidez o feto já ouve'', defende a educadora musical Elvira Drummond. Segundo ela, a música é uma das poucas atividades que conseguem ativar os hemisférios direito e esquerdo do cérebro.
Nesta entrevista, Elvira discute a aprovação da lei que regulamenta a obrigatoriedade da educação musical nas escolas públicas e privadas nos ensinos Fundamental e Médio. A legislação prevê que as instituições têm até 2011 para se adequar. ''É um grande marco na educação brasileira. A conquista está, sobretudo, na rede pública'', afirma.
Qual é o grau de contribuição da educação musical para o desenvolvimento de crianças e adolescentes?
A música é uma das poucas atividades que conseguem ativar os hemisférios direito e esquerdo do cérebro. A prática musical também ativa toda a rede de neurônios, trazendo benefícios ao desenvolvimento motor e social, ao processo de aquisição da linguagem. O repertório de palavras presente em uma canção migra para o cotidiano. Além disso, a música favorece o desenvolvimento do senso estético, lidando com a beleza e a emoção. O contato com a música deve começar na primeira infância, de preferência na gestação. A partir do quinto mês de gravidez o feto já ouve.
A criança que tem contato com a música também desenvolve melhor a parte cognitiva? Por quê?
Com certeza. Está cientificamente comprovado que a música ativa e amplia as redes neurais, aumentando o nível de percepção da criança. Grandes pensadores são unânimes ao afirmar que há uma relação estreita entre os desenvolvimentos emocional e cognitivo. É importante trabalhar a afetividade com a criança para que ela possa estar atenta a todo o processo de aprendizagem. E a música trabalha todos esses fatores, interferindo diretamente no processo cognitivo.
Com a aprovação da Lei 11.769/08, a música passa a ser disciplina obrigatória nos ensinos fundamental e médio. As instituições têm que se adequar até 2011. Qual a sua avaliação sobre a nova lei?
É um grande marco na educação brasileira. Nós sentimos muito quando o projeto de educação musical e artística Villa-Lobos, que funcionou aproximadamente por quarenta anos, foi suprimido no Brasil. A música foi confinada a um espaço mínimo, ficando em um plano inferior em relação a outras artes. Com a aprovação da lei tudo isso vai mudar. Temos uma expectativa bastante positiva. Vai acontecer uma mudança significativa em todo o processo educativo. Algumas escolas da rede privada mantiveram as aulas de música. A conquista está, sobretudo, na rede pública.
Para ministrar a disciplina de música o professor deve ter formação em que área?
Quando a lei (que torna a disciplina de música obrigatória) foi aprovada em 2008 houve um veto ao artigo segundo que falava que o professor de música deveria ter formação específica na área musical. O veto aconteceu porque o Brasil não tem quantidade suficiente de profissionais qualificados para atender toda a demanda. Além disso, em 1996, a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) exigiu que a docência na educação básica fosse ministrada apenas por pessoas com formação pedagógica.
Então, temos a seguinte realidade: de um lado, pessoas com formação musical e sem preparo na área pedagógica; do outro, pedagogos sem formação musical. Há um déficit em ambas as partes. Existe um Conselho Consultivo Provisório que está elaborando um documento base para nortear essa questão. Os profissionais que têm formação pedagógica poderão fazer cursos de capacitação em música para atuar nos anos iniciais. E os bacharéis em música terão a oportunidade de realizar uma complementação pedagógica para ministrar a disciplina.
Tratando-se da parte estrutural, como as instituições devem se adequar?
Não é necessário ter uma sala própria para ministrar as aulas. Basta ter um lugar espaçoso. O intuito das aulas é fazer a criança ouvir e apreciar a música, de modo que ela consiga cantar e criar pequenas melodias e ritmos. E, acima de tudo, que a criança tenha condições de interagir através da música. Algumas pessoas têm a ideia equivocada de que a música na escola vai formar meninos e meninas que vão tocar flauta e violão. Isso até pode acontecer, mas a longo prazo e não na educação musical oferecida pela escola. A disciplina pode até propiciar o contato com instrumentos, mas não vai formar instrumentistas nem compositores.