Necessário se faz colocar pingos nos is - Arlete Salvador
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 26 de novembro de 1998
Arlete Salvador
A turma que saiu do governo - leia-se a panelinha dos Mendonça de Barros, André Lara Resende e Pérsio Arida - já foi tarde. Seja qual for a origem das fitas ou o autor do seu vazamento para a imprensa, o que eles fizeram e disseram ao telefone é imoral e indesculpável. Ouvir os dois irmãos Mendonça de Barros rindo ao comentar detalhes da privatização é uma afronta ao contribuinte e à seriedade devida à administração de um bem público. Público quer dizer coletivo, da nação. E não do governo. E muito menos deles.
Livramo-nos de uma ação entre amigos que há anos vem se revezando em cargos de poder. Acreditar que se perdeu alguma coisa com a saída deles é diminuir a importância do País e dos poucos valores morais que se espera ver num homem público.
Nenhum deles é essa sumidade de competência e inteligência que lhes foi atribuída ao saírem do governo. A mesma panelinha é responsável pelo Plano Cruzado, que foi um retumbante fracasso. O governo do presidente Sarney, que patrocinou a empreitada, terminou com uma inflação de 80% ao mês. André Lara Resende foi um dos criadores do princípio básico que norteou o Plano Real, a chamada inflação inercial. E não é que o Plano Real quebrou o Brasil? O empréstimo do FMI não virá para evitar que o País acabe no buraco. É para nos tirar do buraco. Não encontro nesses senhores tanta competência a ponto de serem considerados insubstituíveis no governo.
Temos gente competente aos montes no País, nas universidades, nos partidos. É bem provável que não tenham o mesmo perfil dos que saíram, mas isso será mais uma vantagem do que um problema. O presidente Fernando Henrique Cardoso pode ter ficado decepcionado por perder alguns amigos próximos, mas deveria é estar muito mais ferido por ver amigos em quem confiava se comportarem como se comportou o grupo dos Mendonça de Barros no processo de privatização. Aprontaram essa com ele.
Bobagem atribuir ao PFL e ao PMDB a responsabilidade pelo desgaste desse grupo. É claro que os partidos aliados deram uma mãozinha para empurrá-los ladeira abaixo, mas a munição quem lhes deu foi a turma dos Mendonça de Barros. Agora que eles saíram, há uma choradeira geral, pela falta que supostamente farão. Mas todos, sem exceção, sabem que não havia outra saída. Quisesse o PFL ou não. O que se ouviu nas fitas é comprometedor demais, constrangedor demais, irresponsável demais. Caíram, portanto, pelo peso de seus próprios erros. Não são heróis da resistência.
Finalmente, o grampo que permitiu a gravação das conversas é um crime. Cabe à polícia descobrir seus autores. Saber quem vazou o material para a imprensa é uma questão política que compete ao presidente da República resolver. Em ambos os casos, porém, o presidente só tem a ganhar conhecendo os seus autores. Fernando Henrique sabe, agora, exatamente quem o cerca.
Conclusão: todo o episódio das fitas é altamente salutar para o País e para o governo. O presidente não saiu perdendo com o episódio. Ele ganhou a chance de melhorar o governo e fazer uma história diferente no segundo mandato.
- ARLETE SALVADOR é jornalista em São Paulo