Nazismo, Europa e Imigração
José Manuel Avelino de Pina DelgadoAgora é oficial. Os nazistas, quase setenta anos depois, voltam ao poder democraticamente. Nem vale a pena mostrar o nojo que esse fato provoca. Essas linhas não pretendem questionar a legitimidade das reações européias, mas apenas lembrar que muitas das idéias propostas por Haider têm sido postas em prática pela direita ‘‘respeitável’’ na Europa. Já antes de se consumar o fato, a possibilidade do Partido da Liberdade (neonazista), chefiado por öJoerg Haider, fazer parte do governo austríaco, através duma coligação com o Partido do Povo (direita), colocou a Europa em polvorosa.
O continente habituou-se a querer circunscrever o neonazismo a pequenos agrupamentos de radicais sem expressão, mas o avanço eleitoral dos partidos de extrema-direita é preocupante. Na França, o Front National (FN), de Jean-Marie Le Pen e Bruno Maigret, tem tido resultados muito bons, especialmente em eleições municipais. Na Alemanha, os neonazistas fazem importantes ‘‘scores’’ no Leste do país. O mesmo sucesso conseguem os nacionalistas flamengos no Norte da Bélgica. Na Itália, os radicais de direita chegaram a participar no governo Berlusconi com o Movimento Social Italiano (MSI) de Gianfranco Fini, apesar deste ter renunciado, ao entrar no governo, a posições mais extremadas.
Então, por que todos estão tão indignados com a Áustria? De fato, o país não possui os fatores geralmente apontados para explicar o recrudescimento do racismo e da xenofobia. Tem um dos melhores níveis de vida da Europa, sem diferenças regionais consideráveis e, principalmente, com uma das menores taxas de desemprego do continente. Situação diferente da vivida no resto da Europa. Por exemplo, na França, além da assustadora taxa de desemprego, os bastiões do FN situam-se no Sul da França, onde se radicaram os ‘‘pied-noir’’, franceses nascidos na Argélia, cujo ressentimento antimagrebino, principal contingente de estrangeiros, ainda se mantém. O MSI floresceu no Sul da Itália, sabidamente uma região de condições sócio-econômicas terceiro-mundistas. O mesmo acontece no Leste da Alemanha.
O que leva pessoas comuns, sem problemas mais preocupantes, a dar uma importante votação à extrema-direita? Claro que o país tem um histórico de relações privilegiadas com o nazismo. Basta lembrar que é o país natal de Hitler, aclamou o anschluns, união com a Alemanha nazista, e não possui até hoje nenhum sentimento de culpa em relação às atrocidades cometidas na Segunda Guerra. Tampouco, não consta existir nenhum ‘‘chato’’, função exercida na Alemanha, com muito orgulho, por Habermas e Grass, que fique lembrando das responsabilidades da nação em relação ao passado.
No entanto, o que os países europeus não podem deixar de questionar é se as medidas xenófobas e antiimigração propostas por Haider já não foram tomadas por eles próprios na decorrência de pressões exercidas pelos seus cidadãos. O RPR, partido de Chirac, que mais contestou a possibilidade do Partido da Liberdade fazer parte do governo austríaco, no governo Balladur, aprovou a Lei Pasqua, destinada a expulsar, por todos os meios necessários, estrangeiros ilegais. As recentes leis de imigração na Itália e na Espanha têm disposições semelhantes. Isto para não falar na famigerada Lei da Nacionalidade alemã, que, baseada exclusivamente no critério do jus sanguinis, dá cidadania a descendentes de germânicos radicados na Rússia desde o século X – nada contra – e recusa a mesma a filhos de turcos nascidos no país.
Tareq Modood, em recente estudo, aponta a gravidade do fato de que dos 10 milhões de não-brancos vivendo na Europa somente 1/3 tem a cidadania dos países de recepção e apenas no Reino Unido e na Holanda existem leis de combate ao racismo. Ora, agora se espantam quando o Partido da Liberdade coloca abertamente que é xenófobo e antieuropeu.
O projeto da Europa unida, multicultural e multi-racial está longe de ser realidade. Em vez disso, temos uma Europa xenófoba e racista, curiosamente no momento em que uma comissão, que estuda as migrações da ONU, diz que se o continente quiser manter o bem-estar dos seus velhinhos terá de receber a curto prazo milhões de emigrantes.
O Partido da Liberdade é liderado por um populista de tendências nazistas que pretende fechar as portas da Europa aos emigrantes, diz que as políticas laborais nazistas, baseadas em trabalho forçado, foram um exemplo; que os campos de concentração, na verdade, eram campos de recuperação de criminosos, entre outras sandices, mas, com certeza, ele não é o único a advogar idéias antiimigração e racistas na Europa. A direita moderada européia, nas últimas décadas, sempre tem apoiado medidas xenófobas. Agora que perderam a vergonha de se aliar a neonazistas...
- JOSÉ MANUEL AVELINO DE PINA DELGADO é caboverdiano e acadêmico de Direito em Maringá