No Natal nos abismamos. Debruçamo-nos sobre a infinitude que tomou corpo e que nos alça ao patamar do melhor de nós, do humano por excelência. É de humanidade que se trata. De humanismo, se o leitor desejar. O espírito natalino rompe a barreira dos tempos, pervade corações duros e alimenta o ser humano na sua vocação primeira: ser o que é! “Homem seja homem”! Uma estrela que orienta a humanidade de volta ao seu criador. Um choro de bebe que anuncia a eternização de quem o escuta. Um Deus que ultrapassou todas as expectativas “se achando em condição humana” (Fl 2,7)! Igual a nós! É um abismo!

Contudo caro leitor, estes mistérios não são insondáveis. São palpáveis. Obedecem à “economia divina” e situam-se no plano da revelação: “Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu filho nascido de uma mulher” (Gl 4,4). O Natal é o grande em forma de pequeno e o ínfimo elevado às alturas! Não é somente a criança que aparece envolta em faixas. É o Natal com a sua nobre e excelente mensagem que surge em forma de poesia! Um poema. O indizível se traduzindo em cheiro, cor e brilho. “A Deus nunca ninguém o viu (...), mas a Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo1).

Há um dinamismo extraordinário no Natal. Um movimento inerente ao Mistério (que se diga, nunca foi estático). A um Deus que se move do etéreo céu onde habita em direção ao homem, corresponde um ser humano em cuja constituição essencial, a procura e a busca sempre estiveram presentes. “Vamos a Belém”, era o refrão de um antigo cântico luso da minha infância! “Os pastores foram às pressas a Belém” (Lc 2,16) e o mesmo fizeram os enigmáticos magos do Oriente (Mt 2,1-16). Se possuímos o privilégio de termos um Deus protagonista na inciativa, não é menos verdade, que o homem por ele criado faz da sua vida uma peregrinação rumo ao absoluto. Em Belém da Judeia, deu-se um toque mágico entre o divino e o humano, que encontra paralelo na pintura consagrada por Michelangelo na Capela Sistina.


icon-aspas É Natal! Uma festa cristã sem fronteiras! A sua magia tem potencial para inebriar todos homens com os melhores sentimentos

O Natal é repleto de convites que desabrocham em visitas emblemáticas e transformadoras. Viagens, programadas ou não, nos põem a caminho. Nunca de mãos vazias! Os presentes, caros ou baratos não importa, são o reflexo de uma vida que se dá, que se presenteia! É Natal! Uma festa cristã sem fronteiras! A sua magia tem potencial para inebriar todos homens com os melhores sentimentos. É inclusiva. Quisera eu que perdurasse por meses a fio!

Neste ano especialmente, a celebração vem temperada com uma virtude de suma importância: a Esperança! “A esperança que nunca decepciona” (Rm 5,5). O Papa Francisco nos dizia: “nosso mundo cansado de guerras precisa renovar o espírito de esperança que levou ao estabelecimento das estruturas de cooperação a serviço da paz após a Segunda Guerra Mundial”. O ser humano é constitutivamente esperante, apesar da dureza e brutalidade com que a vida o vem confrontando. Assim escrevia Nelson Mandela: “A esperança é uma arma ponderosa e nenhum poder no mundo pode privar-me dela.” Por que é que recomeçamos sempre de novo, apesar de todas as lembranças que temos do fracasso e das seduções enganadoras das nossas esperanças? Por que é que o Homem se levanta constantemente, numa rebelião impotente, contra o sofrimento que não pode ser sanado? De onde é que vem a força da revolta, da rebelião? “Neste movimento incontível, ilimitado, do combate da esperança, pode ver-se um aceno do Infinito, um sinal de Deus”, já nos dizia o teólogo Johann Baptist Metz.

A esperança que brota do Natal é imaterial. Se ela não advém das circunstâncias favoráveis em que vivemos e a nossa alegria não é apenas um otimismo tóxico, então a nossa resiliência também tem nome e rosto: o bebe de Belém!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos - Arquidiocese de Londrina