O artigo "Somos responsáveis pelos eleitos!" (Folha de Londrina, 13/10/2024) apresenta uma visão simplista e equivocada do processo eleitoral brasileiro, especialmente no que diz respeito às eleições proporcionais. Ao afirmar que "nos tornamos responsáveis por quem elegemos", o autor ignora as complexidades do sistema eleitoral e as distorções que ele produz.

Em primeiro lugar, é fundamental entender que, no sistema proporcional utilizado para eleger deputados federais, a maioria dos eleitos não chega ao cargo exclusivamente pelos votos que recebeu. Dados recentes mostram que, nas eleições de 2022, apenas 28 dos 513 deputados federais (cerca de 5,4%) foram eleitos exclusivamente com seus próprios votos, sem depender do quociente eleitoral ou partidário.

Isso significa que, na prática, o eleitor não tem controle direto sobre quem realmente ocupará as cadeiras no Legislativo. O voto em um candidato popular pode acabar elegendo outros candidatos do mesmo partido ou coligação que receberam pouquíssimos votos. Como, então, podemos ser "eternamente responsáveis" por alguém que não escolhemos diretamente?

O artigo também falha ao não considerar o impacto dos "puxadores de voto" e do quociente eleitoral. Esses mecanismos permitem que candidatos com poucos votos sejam eleitos graças ao desempenho de seus colegas de partido mais populares. Nesse cenário, a relação direta entre eleitor e eleito, mencionada no texto, simplesmente não existe para a grande maioria dos casos.

Além disso, a ideia de que "o exercício do voto não encerra um processo" e que deve haver um "acompanhamento constante do eleito" é louvável, mas irrealista no contexto atual. Como um eleitor pode acompanhar e cobrar prestação de contas de um político que ele nem sequer votou, mas que foi eleito devido às peculiaridades do sistema proporcional?

O texto também ignora as dificuldades práticas de se manter informado sobre todos os aspectos da política, especialmente em nível federal. A afirmação de que "bater no peito, dizendo que se odeia política ou que 'nem sabemos quem elegemos' é uma bizarrice cara para todos" desconsidera a complexidade do sistema e a sobrecarga de informações que os cidadãos enfrentam diariamente.

Por fim, é importante ressaltar que a participação política é fundamental para a democracia, mas isso não significa que devemos aceitar um sistema que distorce a vontade popular. Em vez de culpar os eleitores por não serem suficientemente engajados, deveríamos questionar um sistema eleitoral que permite que a maioria dos representantes seja eleita sem atingir o quociente eleitoral por conta própria.

Em conclusão, embora o voto seja um direito e dever importante, a ideia de que somos totalmente responsáveis pelos eleitos é falaciosa no contexto do sistema proporcional brasileiro. É necessário um debate mais aprofundado sobre reformas eleitorais que possam aproximar os eleitos dos eleitores e tornar o processo mais transparente e representativo.

Ruy Carneiro Giraldes Neto, servidor público e acadêmico de direito

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