A Venezuela, os artistas e a falta de oxigênio em Manaus...

De patas arriba – assim Galeano ilustrou o mundo em uma sua obra e assim a vida se nos apresenta nesta altura de nossa existência...

O que está a suceder em Manaus demarca o abandono da razão ao tempo em que impõe o modelo negacionista que se discursa nos últimos anos (terra plana + cloroquina + gripezinha...), soterrando a empatia de uma forma não antes vivenciada neste país...

Fato é: Os manauaras estão morrendo pela falta de oxigênio (literalmente) dada a evolução e complicação pandêmica que estamos negligenciando desde o início, em polo de convívio com a fata de cilindros de oxigênio na região...

Você que faz festa e lota os lugares de diversão em nossa Londrina não se iluda: A vítima de sua irresponsabilidade pode ser seu pai, sua mãe, sua irmã – para nada falar de seus empregados, que pensar no próximo está cada vez mais raro por aqui...

Mas não é da gente que gostaria de falar e sim do gado.

Atenção bovinos que calçam botinas: Nunca a Amazônia queimou tanto para abrir a mata e dar lugar ao pasto. Há denúncias que extrapolam nossas fronteiras e aportam no mundo todo...

Sei bem que a Europa, por já ter dizimado suas florestas, tende a modular sua geopolítica tratando a américa latina como quintal dos saxões e dos anglos – no que não faz senão espelhar a política dos do norte, que tratam nossa cultura e nosso orgulho como nada, pois para tio san nada somos...

Geopolítica a parte, não pode ser coincidência a falta de cilindros de oxigênio na capital dos manauaras antes de qualquer outro lugar no país. É uma infeliz ironia que desvela nosso desprezo para com a vida.

Que país não nos tornamos. Que povo não empático e não altruísta estamos a ser – nos perdemos no caminho e isso é fato e fato não deixará de ser a não ser que nós outros mudemos a rotação da vitrola da vida e passemos a ouvir mais e melhores perfumes que desenhem o destino...

Todavia em época de crise e de trogloditas misóginos e machistas, a esperança sempre será vermelha... A Venezuela (logo ela, tão coitada, tão singela) ofertou ajuda em forma de cilindros de oxigênio para atender a demanda dos enfermos que estão falecendo por falta de ar em Manaus...

Auxilia na demanda dos manauaras pela vida, ainda e também, toda uma troupe de artistas (aqueles que o gado de botinas chamava de esquerdopatas e de veados) dando visibilidade e até comprando cilindros de oxigênio e enviando para Manaus.

Dir-se-ia: A arte, aqui, não imita a vida – a vida, aqui, descolou da arte e artista passou a ser tratado e taxado inimigo do pensamento único, que pariu o fascismo, matou Marielle e instaurou a ditadura da maioria...

Que a arte não conjuga ditaduras e pensamentos únicos é mais que óbvio, na medida em que a sensibilidade conduz a alma do poeta, do cantante, do bardo, do escriba e arte é para desconstruir o status quo, plantando a semente de um convívio igual e solidário. A novidade é que, agora, o artista já não se basta estar onde o povo está – há que levar ao povo um cilindro de vida, além de uma chama de esperança...

Notável metáfora secular que os livros de história hão de registrar, naquilo que mitigar a sofrência da alma, agora, passou a agregar o reparo da dor corpórea tisnado na falta de ar, salvando literalmente vidas antes coloridas pela arte...

Há que se respirar (literal e visceralmente) de forma mais leve no Brasil. Há que se respeitar diferenças, ainda mais enfática e comprometidamente no Brasil; há que se olhar para o próximo como quem se olha no espelho, no Brasil – e todas estas demandas passam por entender que não se estabelece um estado mínimo, nem se vende a meritocracia se não alinharmos (antes e em bom tempo) uma linha de largada exatamente igual, para todos os contendores.

O ensino tem e deve ser público – ainda que o privado com ele possa caminhar – e de excelência, porque além de dever do estado recepcionado na Carta Política, é a ciência (fruto de pesquisa desenvolvida em universidades) a nos salvar quando a terra sangra a dor de anos de tratamento maléfico (leia-se: Em pandemias).

Por igual, devemos (de vez) aceitar que o que nos diferencia (cor de pele, orientação sexual, religião, opção política) é justamente o que nos aproxima, na medida em que a pluralidade é da nossa essência, como se vê desde que Darwin nos apresentou a sua teoria da evolução das espécies – que em nada desmerece o pensamento criacionista, a não ser que fundamentalizemos este em desfavor da ciência – que o próprio criador nos presenteou com a inteligência e o livre arbítrio...

Nesta medida, não teremos jamais que conviver com o levante do gado feroz que ataca as minorias por ver nas diferenças uma ameaça à sua fragilidade, seja esta da natureza que for – sexual, hormonal ou fruto da ignorância que calça botina e despreza os tênis coloridos pelas praias...

Findando, que Venezuela, Cuba, ou qualquer país que seja, possam seguir ajudando, seja com cilindros de oxigênio pontuais, ou exportando médicos para os rincões onde faltam médicos, sempre que possível e na medida da importância que o conhecimento tem.

Toda a prosa deletéria desta realidade não é senão mugido.

Tristes e abafados trópicos. Saudade Pai e vai Corinthians!

João dos Santos Gomes Filho, advogado