Padre João Caruana
Li os artigos de Joel Samways Neto, do dia 19, de Francisco Luiz Prando Galli, presidente da Sociedade Rural do Paraná e de Maria Lucila Victor Barbosa, do dia 22. Quero discutir a colocação de Samways quando ele afirma que ‘‘a ladainha do MST é desconversa, cortina de fumaça para tentar ocultar o fato de que invadiram propriedade particular, esbulharam a posse e resistiram à ordem judicial’’; e a indagação de Galli: ‘‘Quando nossas casas são assaltadas por bandidos que nos roubam, ameaçam, destroem nossos pertences e colocam em risco a vida de nossas famílias, como devemos proceder?’’
A estas duas colocações, quero lembrar aos autores, especialmente a Samways, por razões óbvias, da decisão do ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, do STJ, que em 8 de abril de 1997, num habeas-corpus em favor de José Rainha Júnior (dirigente do MST) e seus colegas, julgou que ‘‘um movimento popular visando a implantar a reforma agrária não caracteriza crime contra o patrimônio. Configura direito coletivo, expressão da cidadania, visando a implantar programa constante da Constituição da República. A pressão popular é própria do estado de direito democrático!’’
Falando de juízes e procuradores de Justiça, quero chamar atenção ao artigo ‘‘Esperança Sem Terra’’, do juiz federal Antônio Souza Prudente, publicado na revista jurídica ‘‘Consulex’’ em agosto de 97: ‘‘Cansados de tantos discursos, levantam-se os sem-terra em protesto cívico, na capital da República, para que as autoridades adotem medidas que visem a melhor distribuição da terra’’; e mais adiante: ‘‘Legislativo, Executivo e Judiciário devem unir esforços a priorizar a implantação de uma ordem jurídica justa!’’ Este é o xis do problema – a implantação de uma ordem jurídica justa! No mesmo teor, no artigo ‘‘Os guerrilheiros do MST’’, Maria Lúcia concluiu ‘‘o fato é que o MST descambou abertamente para a guerrilha’’.
Desejo relembrar aos leitores (mesmo que se por um átimo tenham ficado aterrorizados com a afirmação de que o MST é um movimento de guerrilha, e não como o sábio juiz citado disse, que é um movimento que trabalha dentro do estado de direito democrático visando a implantar a reforma agrária, que é 500 anos atrasada), uma entrevista que João Pedro Stédile concedeu em São Paulo, um ano e meio atrás.
O coordenador nacional do MST disse, sobre a possibilidade de o MST optar pela luta armada como o Chiapas no México, parafraseando: ‘‘Quando nós discutimos sobre as possibilidades abertas a nós, chegamos a estas conclusões: (1) O governo tem polícia, tem Exército e tudo mais. Nós não temos nada disso; (2) Os latifundiários têm dinheiro. Ele pode corromper todo mundo. Nós não temos dinheiro; (3) Nós temos uma coisa só que eles não têm – temos 5 milhões de famílias que querem terra. A nossa força está aí.’’ Stédile saiu muito fortalecido da entrevista. Não é por acaso que a imprensa leal ao Planalto tenta denegri-lo.
Agora, por ser padre, coloco rapidamente alguns pensamentos da nossa Igreja, não de um teólogo qualquer – os teólogos me entendem – mas de um documento do Pontifício Conselho Justiça e Paz da Santa Sé, de 23 de novembro 1997, e a mensagem do papa João Paulo II, de 1º de janeiro de 2000 – respondendo também assim a Joel Samways sobre como o pessoal das igrejas cristãs que apóiam o MST consegue celebrar os seus cultos!
O documento, após ressalvas, conclui: ‘‘O retardamento e o adiamento da reforma agrária tiram toda a credibilidade às suas ações de denúncia e de repressão das ocupações da terra’’. Este documento se adquire nas livrarias das Edições Paulinas e não tem uma palavra sequer que defenda o latifúndio brasileiro. E é um documento da Santa Sé!
Falando de ‘‘retardamento e do adiamento da reforma agrária’’, basta lembrar que as últimas duas descobertas que tivemos no Brasil para efetuar a reforma agrária foram o projeto de Vila Rurais do governo do Paraná e o Banco da Terra, do governo Federal! Os dois não são reforma agrária, mas mentiras oficiais do Estado.
Enfim, o papa João Paulo II, na mensagem para o Dia da Paz deste ano assim escreve: ‘‘A tarefa nobilíssima e difícil da paz, inscrita na vocação da humanidade de ser uma família e de se reconhecer como tal, encontra uma base de apoio no princípio do destino universal dos bens da terra, princípio que não tira legitimidade à propriedade privada, mas abre a concessão e gestão da mesma à sua imprescindível função social em benefício do bem comum e especialmente dos membros mais débeis da sociedade. Infelizmente, este princípio fundamental está muito descuidado’’...
Para terminar, um desabafo: na missa do início do ano novo, eu fotocopiei 600 cópias do capítulo mencionado, expliquei-o ao povo e o dediquei ao Brasil. Fiquei triste quando, no dia 2, padre Marcelo, com seu bispo, celebrou a Missa da Paz com 1 milhão de pessoas presentes e mais 130 milhões nas casas – inclusive eu – e não houve nenhuma menção dessa mensagem do papa.
Desde 1967, o sumo pontífice vem dedicando ao mundo uma mensagem de paz! Será que foi um esquecimento do padre Marcelo e de seu bispo? Normalmente tais mensagens chegam nas mãos dos bispos cerca de 15 dias antes do evento. Para não falar da Internet, de onde eu tirei a minha cópia. Uma Igreja que engaveta a palavra social do magistério, negando às massas o conhecimento dos direitos delas à luz da Palavra de Deus, deve nos levar a um verdadeiro exame de consciência.