Ele participou da construção de mais de 4 mil casas como voluntário da Ong Habitação para a Humanidade; ele deixou a Casa Branca e voltou para a sua pequena cidade para plantar amendoim e dar aulas na Escola Dominical na Igreja Batista Maranata; ele ajudou a (quase) erradicar o “verme da Guiné” - infecção parasitária dolorosa para a qual não há tratamento ou vacina que afligiu mais de 3,5 milhões de pessoas; ele embalou na África do Sul bebês infectados com Aids ao lado de Nelson Mandela; ele liderou o tratado de paz entre Israel e Egito em 1978; ele instalou painéis solares no teto da Casa Branca em defesa da energia limpa; ele passou décadas trabalhando em ações humanitárias e na promoção da paz, e em 2002, ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

Testemunhos como os citados acima, e muitos outros, ganharam destaque na mídia e fizeram o povo americano recordar com respeito e admiração o exemplo de vida de James Earl Carter Jr, ou simplesmente Jimmy Carter, o 39ª presidente dos Estados Unidos que faleceu aos 100 anos, e que durante 77 anos permaneceu casado com Rosalyn Carter, até o falecimento dela aos 96 anos em 2023. O ex-presidente fazia da pequena cidade de Plains, no sul da Geórgia, uma espécie de santuário, e a modesta casa de madeira que ele construiu em 1961 era o seu refúgio preferido. Por essa simplicidade, a frase que mais se ouviu do povo americano a respeito de Jimmy Carter, nos últimos dias, foi: “Ele era um de nós”.

Rendendo-se ao legado do ex-presidente que acabara de falecer, o jornal New York Times publicou editorial com o seguinte título: “A América precisa de mais Jimmy Cartes”. E a centenária publicação justificou: “Jimmy Carter é considerado um dos maiores ex-presidentes dos Estados Unidos, por usar o poder residual de seu cargo para ajudar seus sucessores e seu país como um pacificador, diplomata de bastidores, defensor dos direitos humanos, monitor de eleições livres e defensor dos sem-teto, ao mesmo tempo em que encontrava tempo para escrever poesia e, por seu próprio exemplo, fornecer o melhor caso possível para os valores religiosos tradicionais.”

Mas os 4 anos de Jimmy Carter na Casa Branca foram desafiadores. O caipira plantador de amendoim sempre se recusou a frequentar o alto círculo político e social de Washington, e por isso foi odiado juntamente com seus assessores, homens simples que ele trouxe da Geórgia onde havia sido senador e governador. Ele assumiu a presidência num período difícil: internamente pelo caso Watergate (escândalo que obrigou o presidente Nixon a renunciar o seu mandato) e as filas para compra de gasolina e a alta da inflação; e externamente, pelo resíduo da desastrada participação dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, além da captura de 52 reféns americanos no Irã e a tentativa fracassada de resgatá-los.

Esses fatores frustraram a tentativa de reeleição de Jimmy Carter que sofreu uma derrota esmagadora para o candidato republicano Ronald Reagan. Em seu último discurso como presidente, em janeiro de 1981, Carter disse apenas que "assumiria mais uma vez o único título em nossa democracia superior ao de presidente — o título de cidadão". E foi isso o que ele fez ao fundar com sua esposa Rosalynn, em Atlanta, em 1982, com o apoio da Emory University, o Carter Center, uma fundação humanitária sem fins lucrativos que atua como observador em processos eleitorais, faz o papel de mediador em crise internacionais e reforça os sistemas nacionais e regionais dedicados à democracia e os direitos humanos, além de liderar programas para erradicar enfermidades em diversos países. A atuação internacional de Carter foi tão impactante que ele ganhou o Prêmio Nobel, em 2002, quando já não mais era mais presidente. Além do acordo de Camp David entre Israel e Egito, ele foi pessoalmente à Coreia do Norte e negociou um acordo que evitou um confronto com os Estados Unidos. Ele realizou dezenas de viagens humanitárias o que consolidou a sua imagem com o mensageiro da paz.

A campanha presidencial de 1976 na qual Jimmy Carter derrotou Gerald Ford foi tão acirrada que os dois se tornaram inimigos. Mas, como ex-presidentes, ambos foram enviados para representar os Estados Unidos no sepultamento de Anwar el-Sadat no Egito. A longa viagem no mesmo avião fez com que eles se tornassem, ao longo dos anos, grandes amigos, num relacionamento que envolveu as esposas e os filhos. Carter fez um emocionado discurso no sepultamento de Ford. Por sua vez, Ford deixou um discurso para que seu filho Steve lesse no sepultamento de Carter. Esse episódio foi citado como mais um bom testemunho da vida cristã inspiradora de Jimmy Carter.

Edinelson Alves (jornalista)