Monteiro Lobato, o sr. está preso!
O escritor ousou alertar as autoridades quanto ao que chamou de “escândalo do petróleo e ferro”, reclamando da burocracia estatal
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2023
O escritor ousou alertar as autoridades quanto ao que chamou de “escândalo do petróleo e ferro”, reclamando da burocracia estatal
Eduardo Tozzini, advogado
O neto do Visconde de Tremembé se formou pela Faculdade de Direito de SP, onde se matriculou em 13 de março de 1900. Atuou como advogado, como promotor de justiça, em Areias, dedicando-se posteriormente à atividade rural, após receber como herança de seu nobre avô uma fazenda situada na então Vila Buquira, cenário inspirador onde escreveu “Urupês”. Após vendê-la, mudou-se para São Paulo e com o dinheiro recebido investiu na edição de livros, tornando-se o precursor da indústria editorial no Brasil. Consagrou-se!
Gerações inteiras, desde o século passado, divertiram-se com sua literatura. Dedicando-se às crianças, nutriu-lhes o sonho puro, feliz, ingênuo, próprio à tenra idade; aos adultos, abriu os olhos, aguçou os sentidos da razão ensurdecendo-lhes o silêncio próprio da zona de conforto com sua assombrosa eloquência.
Mas em 9 de julho de 1943, assim se manifestou em sua carta-prefácio ao livro de Paulo Pinto de Carvalho: “Sentados em cima de gigantescas riquezas potenciais somos um país de pé-no-chão, miseravelmente vestido, miseravelmente alimentado e miseravelmente governado – e hoje destituído até desse oxigênio político dos povos, que é a liberdade de manifestação do pensamento.”
Afinal, havia pago caro por dizer o que pensava.
Alguns anos antes, ousou alertar as autoridades quanto ao que chamou de “escândalo do petróleo e ferro”, reclamando da burocracia estatal, morosa, ineficiente, custosa, que dificultava o desenvolvimento dessas duas riquezas que as denominava “o sangue e os ossos do mundo moderno”, advogando a tese de que caberia à iniciativa privada sua exploração.
Monteiro Lobato então foi a campo e investiu pesadamente na descoberta de poços de petróleo e conseguiu encontrá-los em abundância. Foi duramente repreendido, perseguido e, pior, sabotado. Acusou, então, o governo de proibir por vias inconfessáveis a exploração/desenvolvimento dessa riqueza pela iniciativa privada como era nos Estados Unidos, a fim de beneficiar “interesses ocultos” de corporações internacionais, alertava o escritor.
Dois dias depois de enviar carta ao Presidente Getúlio Vargas, veio a resposta em forma de Decreto-Lei (n. 2.179 de 8 de maio de 1940), instituindo imposto sobre derivados do petróleo e vinculando-os ao preço internacional. Era o golpe fatal contra a indústria nacional, contra a concorrência e, portanto, contra os consumidores brasileiros.
Em 18 de março de 1941, o criador do Sítio do Picapau Amarelo teve sua prisão preventiva decretada pelo Tribunal de Segurança Nacional (processo nº. 1.607), e em 20 de maio foi condenado a seis meses de prisão em regime fechado por estar incurso no artigo 3º, inciso 25 do Decreto-Lei nº 431, de 18 de março de 1938, que preceituava constituir crime contra a segurança do Estado e a ordem social injuriar os poderes públicos ou os agentes que os exercem, por meio de palavras, inscrições ou gravuras na imprensa, prevendo a pena de seis meses a dois anos de prisão. Era o auge da ditadura do “Estado Novo” oriunda do golpe de Estado de 10 de novembro de 1937. Vigia a nossa 4ª Constituição Federal, a qual, em vez de ter sido pensada por uma Assembleia Constituinte fora elaborada por uma só pessoa, o então Ministro da Justiça Francisco Campos.
Na denúncia contra o escritor “criminoso” lhe foi imputada a acusação de ter feito “afirmações destituídas de verdade, inteiramente falsas, com objetivo evidente de injuriar os poderes públicos”.
Tempo depois, em entrevista para o Jornal de São Paulo, manifestou-se dizendo que “o que hoje se publica é palha apenas, porque os autores são obrigados a engolir as suas ideias. Há no Estado Novo um medo pânico da liberdade de pensamento – daí a opressão. E ninguém cá fora reage.”
Enfim, isto é apenas passado…
Eduardo Tozzini, advogado

