Monja Coen: "A paz não é um estado de plenitude, é, inclusive, você perceber as provocações do mundo e saber lidar com elas"
Monja Coen: "A paz não é um estado de plenitude, é, inclusive, você perceber as provocações do mundo e saber lidar com elas" | Foto: ZendoBrasil/Divulgação

É preciso ter compaixão com a vítima e com o vitimador. Esse é apenas um dos ensinamentos que a Monja Coen compartilhou em entrevista à FOLHA e em sua passagem pela cidade com a palestra Como Encontrar a Paz na Vida Diária, realizada no último sábado (27), no Centro de Eventos de Londrina. Compaixão, reconhecimento das emoções, autoconhecimento são práticas que os mais de 30 anos de votos monásticos lhe deram e que ela faz questão de dividir desde o início de sua formação.

“Nós somos aquilo que nós praticamos. Se eu quero um estado de mais tranquilidade, tenho que me treinar para isso”, ensina a monja fundadora da Comunidade Zen Budista no Brasil. Carreiras de jornalista e bancária ficaram para trás. Hoje, aos 72 anos de idade e três décadas de budismo, demonstra vigor para falar sobre assuntos profundos da consciência humana, possui vários livros e viaja o Brasil com suas palestras, na busca por uma sociedade mais zen. “Eu estou plantando sementes de uma árvore que talvez eu não vá me sentar a sua sombra.”

O que é ser zen?

É quando você está inteiramente presente, eu chamo de presença pura ou presença inteira. Até escrevi um livro que vai ser lançado agora, se chama Como Viver o Agora, que é exatamente a gente encontrar a paz estando presente onde você está. A paz não é um estado de plenitude, é, inclusive, você perceber as provocações do mundo e saber lidar com elas.

Então a paz depende da nossa percepção de mundo?

Tudo que existe é interdependente e simultâneo, nada tem uma autoexistência separada. Nós somos a vida na Terra e quando olhamos para a realidade com esse olhar maior, nós sabemos como atuar para que seja melhor não para mim, mas para todos nós, como nós entramos nessa esfera de pensamento, a realidade muda. Agora tem um probleminha, a nossa mídia internacional acaba só dando destaque para as coisas prejudiciais. Nossa mente é sensível, se ela é bombardeada o tempo todo com notícias nefastas, dá a impressão de que o mundo está acabando, não é? Hoje em dia nós temos uma facilidade de comunicação, nós sabemos o que está acontecendo no Sri Lanka, em Moçambique, em Paris, tudo simultaneamente, antigamente se levava um mês pra notícia chegar.

Mas os fatos negativos não vão acabar. Como devemos lidar com essa realidade?

Sim, mas o que eu faço com isso? A vida é movimento e transformação. Uma espécie come a outra, a vida na Terra não é macia, nem gostosinha, quando surge uma mosca, surge uma lagartixa, que é o seu predador. Isso é a vida na Terra e isso somos nós, a nossa vida está sempre por um fio e por que não a apreciamos? Ter medo e ansiedade não adianta. É apreciar que agora estou viva e tenho condições de desfrutar algumas coisas da vida, mas não sozinha, porque eu me percebo como vida da Terra, então eu tenho que cuidar. Se está aumentando, por exemplo, o aquecimento global, o que podemos fazer sobre isto? Não teve uma menina linda de 16 anos que foi na ONU (Organização das Nações Unidas) falar esses dias? Então vamos todos prestar atenção ao que estamos fazendo e como podemos diminuir aquilo que é prejudicial para nossa espécie, porque sempre a nossa espécie é o que nós preservamos em primeiro lugar, mas para preservar a espécie humana, temos que preservar a vida no planeta e de outras espécies.

icon-aspas “Nós somos aquilo que nós praticamos. Se eu quero um estado de mais tranquilidade, tenho que me treinar para isso”
Monja Coen -

A espécie humana está intolerante, como me manter em foco quando o outro não está?

Como é que eu posso abrir meu coração de compaixão às pessoas que não têm compaixão? Ou o que eu posso fazer para que todos os seres despertem, acordem, percebam que é absurda a intolerância, a discriminação, o preconceito, que essa é uma maneira pequena, miúda, egoísta de pensar? Despertar é sair desse lugar pequeno e o lugar do coração é de acolhida. Nós temos que ter compaixão não só pela vítima, mas também pelo vitimador, porque ele é resultado de uma cultura de violência, só pode se manifestar dessa forma, porque foi criado assim, educado assim, treinado assim. Ter raiva, ficar bravo, ficar intolerante com um intolerante não adianta, pelo contrário, como educar, como mostrar, como usar meios hábeis?

Nesse tempo atuando, você tem sentido alguma evolução em nossa sociedade?

Eu estou plantando sementes de uma árvore que talvez eu não vá me sentar a sua sombra. Cada um de nós é único e as causas que nos levam à procura de um estado de sabedoria e plenitude varia muito, mas é da nossa natureza humana poder acessá-lo. Às vezes em um livro, uma palestra, um filme, mensagens que mandamos pelo WhatsApp, a tecnologia é maravilhosa se for usada para desenvolver sinapses neurais que levem à construção de uma cultura de paz, de inclusão, de não-violência, de consumo responsável.

icon-aspas "A ansiedade tem a ver com não estar presente onde eu estou, eu posso estar aqui falando com você pensando o que vai acontecer daqui a cinco minutos"
Monja Coen -

Ansiedade e depressão estão cada vez mais comuns, como não me afetar com isso no mundo de hoje?

Às vezes somos afetados e temos que perceber que quando acontece devemos procurar ajuda. A depressão é uma doença e quando nós percebemos que estamos ficando adoentados, procuramos apoio. A meditação zazen, que a gente chama sentar-se em meditação, ajuda as pessoas a perceberem como estão, se conseguem resolver isso sozinhas ou se precisam pedir apoio de quem possa ter entendimento sobre o que está acontecendo para ajudar a sair desses espaços. A ansiedade tem a ver com não estar presente onde eu estou, eu posso estar aqui falando com você pensando o que vai acontecer daqui a cinco minutos. Estar inteira para o momento, para a sua vida, como faz isso? Respirando. As pessoas não acreditam, mas a respiração consciente é a chave da transformação do nosso emocional.

É difícil aprender a usar a respiração consciente?

Como tudo, é treinamento. Foi difícil ficar em pé, você se lembra? Você nem se lembra. Nós somos aquilo que nós praticamos, o que nós fazemos. Se eu quero um estado de mais tranquilidade, tenho que me treinar para isso e perceber na hora em que eu falo de forma grosseira, rude, quando fico brava: 'Nossa, escapou de novo, deixa eu tentar outra vez’, é resiliência.

Você acha que os escândalos envolvendo líderes espirituais acabam afetando a crença das pessoas?

Não, acho que são coisas muito pessoais e particulares. A crença é uma coisa e outra coisa são as lideranças espirituais que se perdem. São seres humanos com vícios, falhas, que acabam utilizando até de sua posição para fazerem bobagem. São pessoas para terem piedade e compaixão, porque tinham tudo para se tornarem coerentes com aquilo que pregam e se perderam. Então, a gente tem que sentir pena deles, isso não significa que fiquem soltos por aí fazendo besteira, não! Tem que ser preso, tem que passar por um treinamento, passar por uma autorreflexão muito profunda. Nós humanos somos muito fáceis de nos perder. Aproveitar-se da sua posição para tirar vantagem, tanto na política, nos bancos, nas escolas, nas lideranças religiosas, em qualquer lugar, é impróprio, não é ético.

E o que é ser ético nos dias de hoje?

Estamos vivendo de uma forma diferente atualmente. Ético é fazer o bem para o bem de todos, mas a mente humana deve ser temida, minha mente vai dizer: "eu estou fazendo isso para o bem", quando se está aproveitando da moça ou do moço, roubando um aqui e ali, achando que isso é para o bem de todos. É para isso que a gente precisa de um grupo, de uma comunidade de praticantes que nos fortaleça e que a gente perceba quando está saindo. Um bom amigo acaba dizendo: "olha, você está saindo fora do trilho", por mais que a pessoa fique brava. Essas lideranças religiosas que tiveram escândalos sexuais, por exemplo, elas eram protegidas e encobertas por sua comunidade, isso que é impróprio, você ver um grupo de pessoas que, porque gosta do seu líder, vai facilitar que ele faça bobagem? Não pode.

É compaixão com punição?

Sim, a compaixão não significa bater no ombro e dizer "que bonitinho", significa dizer "eu compreendo você, posso entender as causas das condições disso, mas o que você faz não é correto. Então vai parar, se afasta da comunidade, de suas funções e vai refletir sobre isso e ver se você tem condições de transformação, de ser diferente do que você é."

É mais fácil ver a falha no outro do que na gente?

A todos nós. É fácil você se enganar, enganar aos outros e ao mesmo tempo ter a determinação e compromisso com você mesmo para não repetir a falha. O que acontece é que quando a pessoa acha que já sabe tudo, que acha que é um santo ou uma santa, é porque ela tá faltando. E quando a gente acha que está faltando é quando está mais próximo da verdade.

Como liderança, você se manifesta politicamente?

Além de ser uma liderança, uma monja zen budista, eu sou uma cidadã de um país chamado Brasil, onde todos nós, independente de sermos religiosos ou não, temos que votar e, se eu sou obrigada a votar, eu tenho que ter opinião política e tenho que observar o que está acontecendo. É a minha opinião pessoal, eu não falo isso pra minha comunidade, em minhas palestras e minhas aulas, mas eu tenho opiniões muito firmes a respeito de como nós devemos viver em sociedade. Eu acredito no desarmamento e não no armamento. Eu acredito que para nós construirmos uma cultura de paz, de respeito e de justiça social, nós temos que incluir todos e não separar para dizer “esses são bons e aqueles são maus, eu quero exterminá-los”. Para nós no budismo a ideia de não-extermínio significa não matar, é dar vida, dar educação, saúde, dar bem-estar a todos e não só a alguns e essa para mim é a maneira que eu penso.