Três Bocas, Jacutinga, Cambé, Cafezal, Limoeiro, Pirapó. São ribeirões que cortam o Norte do Paraná. Nessa época de chuvas torrenciais, seus nomes ficam ainda mais familiares. Esparramando as águas como um mar vermelho, revelam com vigor suas presenças. São lembrados o tempo todo no noticiário e conversas de moradores.

Alexandre Beltrão, um dos desbravadores pioneiros da região, relata em depoimento as dificuldades nas expedições de demarcação e medição de terras na época de cheias. A violência das águas obrigava a um esforço multiplicado para movimentar as canoas. A correnteza tornava arriscada as travessias, obrigando a parada de atividades. Com a consequente escassez de mantimentos, os membros da expedição tinham como alternativa ao café, o chá de folhas de taquara com mel de abelhas. Para comer, havia palmito exclusivamente.

Algumas fotos de enchentes no Tibagi, na década de 30, podem ser vistas no Museu Histórico de Londrina. O rio, considerado de águas pacíficas, ampliava seu leito e interrompia a travessia de balsa. Editorial no jornal "Paraná-Norte", de novembro de 1934, solicita a limpeza do leito do arroio Jatahyzinho. A malária "vae destruindo esforços, annulando vontades, quebrando energias".

Uma planta da cidade de Jatahy foi organizada por Mábio Palhano em 1930. Era localizada em terras de concessão. Uma larga faixa de terras circundava o plano retangular de malha xadrez. Identificada como área de chácaras, afastava a futura cidade das margens dos rios Tibagy e Jatahyzinho. Seria essa área ribeirinha sujeita a inundações desde tempos remotos? Este ano não foi exceção. A água invadiu bairros construídos na área reservada para chácaras no plano de 1930.

Possivelmente, a leitura atenta do plano inicial, o conhecimento e a possibilidade de visualização do registro histórico de inundações, poderia ter reduzido a expansão dos limites da cidade em áreas de risco.

Outro assunto. No Japão, uma onda gigante conhecida como Tsunami atingiu a província de Fukushima em 2011. O tsunami, de até vinte e quatro metros de altura, arrasou centenas de quilômetros da orla com cidades e vilarejos. Vitimou milhares de habitantes.

Milagrosamente, alguns vilarejos da região litorânea foram salvos da catástrofe. Os moradores tinham obedecido às recomendações de memoriais monolitos de rocha. Haviam sido construídos após devastadores tsunamis anteriores.

O vilarejo de Aneyoshi foi um deles. O local foi totalmente destruído por dois grandes tsunamis, em 1896 e 1933. Um monolito de rocha foi erguido em 1933 perto do ponto máximo que o tsunami atingiu. O denominado Memorial do Grande Tsunami trazia gravado a seguinte recomendação: "Moradias altas significam paz para os descendentes. Lembre o desastre do grande tsunami. Não construa casas abaixo daqui". Tal recomendação foi seguida à risca. O fato é que o vilarejo não sofreu danos em 2011.

Afirma-se que existem centenas de "Memoriais de Tsunami" espalhados pelo Japão. Alguns construídos há mais de seis séculos. São testemunhos silenciosos a alertar constantemente sobre os riscos.

Retornando ao Norte do Paraná. As enchentes que ora observamos na região é cíclica. Assistimos com frequência ao transbordamento de rios, destruição de pontes e estradas, inundação de áreas ribeirinhas. Poderíamos pensar na construção de marcos memoriais, alertando sobre o nível histórico de inundações nesses diversos locais. "Memorial de Tsunami" de água vermelha. Seriam instalados em áreas de risco, informando o nível máximo que as águas já atingiram e os limites da área inundada. Subsídio aos projetos futuros.

Esta época, em que as marcas de lama nas margens dos ribeirões estão visíveis, é a ideal para definir os locais de futuros memoriais. O mais importante, fazer não esquecer. Prever transtornos e desastres. Lições de Fukushima.

HUMBERTO YAMAKI é coordenador do Laboratório de Paisagem da Universidade Estadual de Londrina

■ Os ar­ti­gos de­vem con­ter da­dos do au­tor e ter no má­xi­mo 3.800 ca­rac­te­res e no mí­ni­mo 1.500 ca­rac­te­res.
Os ar­ti­gos pu­bli­ca­dos não re­fle­tem ne­ces­sa­ria­men­te a opi­nião do jor­nal. E-­mail: opi­niao@fo­lha­de­lon­dri­na.com.br