Tua história, na minha história, conta nossa história – vai Corinthians.

Imagem ilustrativa da imagem Madrugada portenha...
| Foto: Luis Robayo/AFP

É alta madrugada, estou em São Paulo de onde vi o jogo épico contra o Boca, pelas oitavas de final de Libertadores 2022. Não pude estar com minha mulher e meus filhos, principalmente João, que me ensina a beleza de torcer, mas ladeei amigos do meu boteco mítico em Moema e a história se fez sob meus olhos, à luz dos lampiões metafóricos que a noite plantou em minhas lembranças...

Odiar não é, definitivamente, uma opção para nós outros.

Um extraordinário amigo palestrino, antes de abandonar o Original, em meio ao jogo vaticinou: dará Corinthians nos pênaltis, vocês têm Cássio e você ama tanto o Timão que não merece perder.

Ninguém merece perder, baby. A vida sublimando a derrota na epifania dos coacervados resgata o darwinista que habita em nós, projetando no amanhã a conta de uma evolução que arrebatou os costumes.

O chopp mais festejado de São Paulo dá a medida da alegria Corintiana, enquanto as discussões de boteco perpassam a visão elitista que, hoje, parecem dar o tom no meu bar, ao que eu, com ‘savoir faire’ herdado de Desirée (meu encanto), ressignifico sempre em favor de meus princípios...

Fato é, todavia, que o Corinthians sublima até minha atávica condição gauche e, enamorado da paixão mais antiga, beijo no inconsciente das lembranças o rosto intangível de meu pai ao som de uma (mais uma) defesa de São Cássio, em processo adiantado de canonização sufragado pelo próprio Santo Padre.

Piazzolla, Maestro mio, assinaria a tanguédia que aflorou em La Bombonera ao som de uma teima disruptiva na madrugada de ontem, bem animado pelo som do chopp apascentando as agonias que o asfalto traduz...

Somos o de sempre: luta e glória. Pois que esta nasce daquela e nós outros crescemos do embate que leva ao limite o embrutecer sem aurora, na revelação de uma teima cognitiva e desempática que, se não leciona, aprisiona.

O amanhã, no pênalti derradeiro cobrado por Gil, foi represado em um instante de magia, aflorando em nossos rostos a ‘esperança que dança na corda bamba de sombrinha’, enquanto gatos pingam e estrelas festejam o brilho da fiel...

Há, senhores, a magia não resistiu e se mostrou, como que dizendo aos de pouca fé: aqui está Corinthians. Não uma circunstância, mas sim a própria lenda que coloriu em preto e branco a circunferência platina, aflorando às margens do rio mar uma questão que não pode calar: ‘somos todos iguais essa noite’.

Não fez frio, tampouco calor – aliás, não lembro a temperatura além chopp. Lembro, entrementes, ouvir as conversas enviesadas que pintam paredes de botecos mundo afora, soarem um mantra crescente, a cada defesa de pênalti: Cássio, Cássio, Cássio..

Aliás e no ponto, Cássio é minha constelação – Cassiopéia vem de onde mesmo?

Abraços entrecortados e vigorosos em gente que nunca vi demarcam, definitivamente, a paixão pelo jogo mais espetacular que a vida apresentou, naquilo que traz à memória uma antiga fala do querido amigo Agnaldo Kupper: Beethoven, definitivamente, só escreveu sua Ode a Alegria porque não conheceu a torcida do Corinthians...

Vencemos hoje, baby!

Nesta conta, o mundo é mais. É mais fraterno, mais feliz, mais preto e branco, como que a mostrar aos fascistas de plantão que melanina não é senão a pimenta que cola no sal.

Há amor nesta quadra da vida e ele implora ser vivido.

‘Há braços nas pessoas’, como diria o velho Gringo, enquanto o outro se projeta em nós ao som da tragédia perpassando o tecido da história, cerzindo circunstâncias que nos aproximam, em que pese a ausência de empatia das elites de latino américa apontar o próprio umbigo enquanto igreja de uma não deusa, teúda e manteúda de vontades e caprichos...

Assim seguimos solapando a ideia de comunhão e negando o espírito (santo) na divisão de castas estabelecidas pelo espectro econômico, desde que o homem viu em seu semelhante não o outro e sim o explorável.

Já não somos, apenas estamos.

Estamos artesões de um não destino, observando o dia que segue, enquanto afloram momentos de magia como os vividos ontem, no Original, ao som de um jogo de bola entre Boca e Corinthians.

São de momentos assim que a vida é feita, ainda que cismas e fundamentalismos religiosos insistam em tanger no outro as próprias fragilidades. Já não há tempo de estar, precisamos tornar a ser, nem que seja para redescobrir no agora um oásis de projeções que já não apontem para o dia de amanhã. Urge valorizar o instante presente.

A velocidade de nossa época é a armadilha derradeira que o homem plantou em sua história. Chico Gregori não me deixa esquecer disso.

Todavia, assim como sujamos a água, seguimos na tomba de árvores, matando ativistas e tolerando racistas, normatizando falas homofóbicas e relativizando posturas machistas e misóginas. Além de tantas tragédias outras, estamos passando a boiada enquanto um boi é dado às piranhas.

Falta de empatia, teu nome é ignorância, conforme não me deixa esquecer o Padre Manoel, ao alertar reiteradamente que esse corte cidadão está, paulatinamente, nos levando a um ponto sem retorno.

Saudade Pai, você me ensinou amar em preto e branco.

Vai Corinthians, jogai por nós!

João dos Santos Gomes Filho, advogado