Luiz Geraldo Mazza
PUBLICAÇÃO
segunda-feira, 29 de outubro de 2001
De vestal a rameira
O PT é vítima do próprio veneno. Ao transformar o moralismo em bandeira de luta, irrompe com a rigidez da Santa Inquisição, com uma fúria incontrolável sobre adversários que infrinjam tais regras. Com todo o lado moderno do partido, assombra a importância que concede a esse tipo de udenismo requentado. Só que enxerga nos outros apenas vícios, cada vez mais comuns nas suas práticas e aos quais, é claro, concede indulgências plenárias.
Entre a vestal e a rameira há a distância do espectro da luz. O que não pode é a rameira tentar passar por vestal, armadilha em que os partidos moralistas acabam caindo. Não bastassem problemas como o da sujeira das eleições internas do PT no Paraná e situações no mínimo estranhas como os contratos de Dona Marta em São Paulo, no caso da coleta do lixo, beneficiando exatamente as empresas que deram contribuições à ''caixinha eleitoral'' ou ainda o problema do envolvimento com o jogo do bicho, como se deu agora no Rio Grande do Sul- tudo, enfim, recomendaria um mínimo de cautela em tanta auto-suficiência.
Claro que o PT sempre tem explicações para todas as anomalias, as próprias, é claro, já que as dos adversários se enquadram como pecado mortal, às quais jamais se concede o benefício da dúvida. Na Câmara Municipal em Curitiba, a maioria da bancada petista convive muito bem nas relações pactuais com o sistema dominante: o lubrificante que aciona aquela Casa na concessão de carros terceirizados do Osni Pacheco, da Cotrans, abominados no andamento das campanhas eleitorais, e desfrutados no cotidiano, e na partilha de assessores, tarefas em parte exercidas em tempos não distantes pelo cartel dos transportes coletivos que detinha um poder demiúrgico sobre o Legislativo.
O PT não é uma rameira, mas também não é uma vestal. O jogo do bicho num país tomado pela batota oficial (loterias, caça-níqueis, jogos eletrônicos, bingo) é uma gota no oceano quando não vinculado a outras formas de crime organizado como tráfico de drogas, roubo de cargas e carros, desmanches de automóveis.
Da mesma forma, a afirmação de que há caixa 2 em campanha eleitoral, se atinge o PT não absolve os demais partidos. Já querer o ''impeachment'' do governador Dutra é tão ridículo quanto o do PMDB que visa alcançar Lerner, neste caso manifestação caricata da mais absoluta impotência.
EPIGRAMA
Há um secretário de Estado que estaria, conforme se diz por aí, endividado em cassinos do Paraguai e Argentina. Quem será ele, já que há quem tenha visto pelo menos quatro deles, frequentemente, dados a esse tipo de curtição?
BIZARRICE Será que o pessoal do PFL (o municipal, especialmente) julgou o leilão do prédio da Rede Ferroviária pelos mesmos critérios do caso Copel? Se assim agiu sabe por que tentou impedi-lo ao desespero. Como aquele provérbio árabe, estupidamente machista, que manda bater na mulher: ''Você pode não saber porque está batendo, ela sabe porque está apanhando''.
AXIOMA O FBI e a CIA indicaram que a Al Qaeda, grupo terrorista de Bin Laden, teria feito da fronteira tríplice Brasil-Paraguai-Argentina seu principal centro de operações na América Latina. Quem esperava que os States, com o novo cenário mundial vitaminassem o Brasil, vai ter que se contentar com a possível ''vietnamização'' daquele espaço, hoje sem um contraste militar, como se dava nos tempos da Guerra Fria com a então União Soviética.
GLOSA Se o episódio ocorrido com o sobrinho do senador Requião em tragédia de trânsito se desse com o filho de um adversário, como ele agiria?
SPRAY No fim de semana, Requião, em Londrina, afirmou que houve caixa 2 na campanha de Cassio Taniguchi. Não mostrou os documentos, mas citou até números que deixaram de ser referidos no TRE: R$ 50 milhões. - Dias depois, já em Curitiba, Requião interveio por motivações familiares (de apoio a uma irmã viúva), em favor de um sobrinho numa tragédia de trânsito com várias mortes. Aí se valeu de sua condição senatorial para retirar o jovem do local da ocorrência a pretexto de medicá-lo, o que foi feito, segundo o ''Jornal Nacional'', em prejuízo do andamento das investigações. - Requião não quer que se tire ilação política do episódio, uma vez que atendia um apelo da irmã, que perdeu o marido há um mês, uma situação desesperadora. Isso é justo. Só que essa concessão não costuma fazer aos adversários. - O ministro Odacir Klein estava no carro do filho que matou um pedestre no Rio Grande do Sul e favoreceu a fuga do autor. O presidente FHC recomendou que pedisse demissão, o que foi feito. - Crime de trânsito hoje tem configuração diferenciada, não mais enquadrável como culposo e sim doloso (dolo eventual) quando o autor tem consciência da possibilidade do acidente. Dolo no antecedente, culpa no consequente. - Há muita estranheza na forma como a Prefeitura de Curitiba estaria empenhada em impedir o leilão das propriedades da ex-RFFSA. Ela vinha, há tempos, mantendo negociações. Esse bloqueio do leilão é apenas ponta de ''iceberg'': gestores da RFF correm o risco de ter esses bens levados à leilão judicial por estarem penhorados.
FOLCLORE Imunidade de senador não se transmite a familiares. Mas o governo não tem o direito de explorar politicamente a tragédia e o faz covardemente.
CROMO A saracura, desajeitada, atravessa o asfalto com seu canto estridente.
AFORÍSTICO Sorridente o Palácio Iguaçu: última gargalhada é sinal de loucura.
- O conteúdo desta coluna não reflete necessariamente a opinião do jornal.