Luiz Geraldo Mazza
PUBLICAÇÃO
domingo, 13 de fevereiro de 2000
Manchas no mar
Quando foi descoberta a mancha de óleo na costa paranaense fato que vários órgãos estaduais e federais desconheciam lembrei de um episódio ocorrido, na década de 70, na Baía de Paranaguá, com o impacto da mortandade de peixes, moluscos e crustáceos por fator desconhecido. A então Superintendência de Recursos Hídricos atribuiu o evento à hipótese de lançamento de resíduos à base de cianureto, raticidas, na limpeza de porões de navio.
Todas as manhãs, antes de ir à sucursal da Folha e à TV Paranaense, onde chefiava o jornalismo, costumava passar pelo café na Boca Maldita, esquina da Avenida Luis Xavier com a Travessa Oliveira Belo. Entre os figurantes da roda havia vários mestres universitários e professores do 2º grau. Um deles, químico de formação, Antonio dos Santos Filho, ex-deputado estadual, várias vezes presidente da Associação dos Professores, comentou o noticiário e fez, inclusive, alguns cálculos na parede do Palácio Avenida, mostrando que havia algo de errado nos informes. Para ele, segundo a descrição da área atingida, processo de dispersão e mais o índice de acidez (PH), era impossível que fossem atingidas formas adultas de vida.
Como tudo que ocorria no regime militar, vieram as decisões duras com a proibição não apenas da pesca e da captura de moluscos como do consumo de peixes, crustáceos e mariscos, notadamente os de fundo do mar. De posse das considerações do professor, liguei para a direção do Centro Politécnico da Universidade Federal, para o mestre Nilton Buhrer, a quem expus o caso, as ponderações de Santos Filho e detalhes novos da ocorrência. Com base nas avaliações científicas, fizemos com que os nossos repórteres (a Marise Helene Crocowski e o cinegrafista) comessem o pescado interditado e isso apareceu em um dos jornais.
Mais tarde outras versões indicariam que uma multinacional de fertilizantes e defensivos químicos teria feito o despejo nos seus efluentes sem as cautelas de programação e dipersão dos resíduos, o que teria provocado a mortandade ante a concentração excessiva dos rejeitos tóxicos.
TRAQUINAGENS
Uma terrível sensação de pecado, remorso não purgado: peguei, no grupo escolar, a linda trança da minha coleguinha da frente e mergulhei no tinteiro da minha carteira. Será porque não me olhava e ficava de costas?
PEDÁGIO O pedágio, motivo de debates na semana em Londrina, é novidade para o Paraná, mas pré-existia, antes da Ponte Rio-Niterói (por sinal que diziam que o coronel Mário Andreazza tinha ficado milionário e o homem teve que ser ajudado no tratamento do câncer que o matou), em outros pontos do País. Só agora, no entanto, configurou-se como a saída única para um País sem recursos para sequer fazer a manutenção das estradas quanto mais para duplicá-las.
Estradas sempre foram um filão especialmente para um país que fechou os olhos a modais bem mais produtivos como o das hidrovias e ferrovias. O rodoviarismo virou uma questão ideológica, aprofundada com Juscelino Kubitschek que ofereceu essa base operacional para a vinda das montadoras. Lembro que um dos documentos que redigi como funcionário da área de turismo foi o de pleitear, o que o governo Lupion ratificou, a primeira linha internacional de ônibus, que se não me falha a memória, beneficiava o grupo da Princesa dos Campos em direção ao Paraguai. Hoje o Assis Gurgaks, de Cascavel, morando no Norte do País, tem uma linha entre Caracas e Porto Alegre.
Uma das propostas que apareceram para asfaltar a estrada básica entre o Sul e o Norte, aquele tempo servida pela Rodovia do Cerne, foi de uma dessas gigantes do petróleo, distribuidoras, que queria em troca a exclusividade para postos e serviços e o direito de cobrar, baratíssimo, pelo uso.
Como se vê as ações do poder oficial têm motivos, além da semântica, para serem chamadas de negócios públicos.
ESCATOLÓGICA Borrar-se na sala de aula em tempo de jardim, grupo escolar era uma constante. Acabou acontecendo comigo na infância em Paranaguá. Aí uma patrulheira levantou-se e fez o libelo acusatório com um formalismo que me feriu mais do que o desconforto da situação. De dedo em riste, como um promotor, dirigiu-se à mestra: Dona Maria Clara: o Luiz Geraldo Mazza (só faltou colocar a nacionalidade, cor dos cabelos, domicílio) cagou-se.
Por onde andará você, Maria Luísa Ferreira, cujo nome guardei desde aquele tempo pela denúncia do nefando crime? Veja bem: os que me delataram em 64 absolvi pelo esquecimento. É que a denúncia da Maria era verdadeira. Estava lá para horror de muitos e gozação cruel de outros o corpo de delito.
O DIABO Na sala maior da casa imensa, de madeira rangente e espíritos de padres rondando, a cadeira de balanço em que a babá me fazia dormir. Lá em cima cobrindo, como tapadeira, a carantonha de um demônio risonho, tirada de um dos carros alegóricos que meu avô, Randolfo Veiga, montava para os carnavais parnanguaras. Não acredito que a babá me apontasse para a figura aterradora, mas o fato é que eu a avistava na hora de dormir. Não poucas vezes, já em fase adulta, sonhei com o fim do mundo e em que uma cabeça enorme surgia do teto e anunciava a morte. Psicanalisei-me e apurei que mesclavam essas imagens relatos sobre piratas cercando a cidade (Zulmiro entre eles), fatos ligados às revoluções de 30, 32 e a Intentona de 35, recordações remotas sobre as violências da federalista de Gumercindo Saraiva. O demônio falava em espanhol. Saturei-me disso na praia no meu descanso na Praia de Bombas: de cada dez pessoas, sete falavam gringo como o mensageiro onírico da morte.
ENCONTRO Duas Micheles, duas jornalistas: pela manhã, a Michele Tomé, mulher do Israel Reinstein, na Rádio CBN; à tarde, Michele Muller nesta Folha. Uma a executiva, dinâmica, dona do riso em cascata, primeiro sensor da nossa audiência; outra, contemplativa, mas aberta à desmistificação, a primeira a zombar com segurança do bug do milênio, minha assessora para a memória poética até porque senta ao meu lado.