O Brasil poderá, se aprovado o recente Projeto de Lei - PL nº 3.324/2.020 que está em trâmite no Senado, sair de décadas de atraso com a possibilidade de emissão de debêntures por sociedades limitadas e cooperativas. E pra isso, compreender e desmistificar debêntures é importante.

Essa possibilidade também estava sendo debatida no Projeto do Novo Código Comercial.

Debêntures nada mais são que títulos (obrigações) de dívida de médio e longo prazos (mínimo dois anos), que podem ser emitidas por sociedades anônimas de capital aberto ou fechado.

Dito de outra forma, são nada menos que contratos onde a empresa (sociedade anônima), que precisa de recursos, busca investidores, emitindo as debêntures ao mesmo (documento representativo da dívida), já especificando a data do vencimento e a taxa de juros que será, em regra, bem mais vantajosa que as aplicações financeiras tradicionais. Ganham ambas as partes.

Importante ainda lembrar que no que se denomina “bookbuilding”, o investidor poderá enviar suas ordens, contendo as condições que aceita (taxa de remuneração e prazo) para aquisição das debêntures, o que permite juros acima da taxa legal de juros (01%) – o que o investidor não poderia fazer de outra forma sem que houvesse a ilegalidade da operação.

O investidor ganha mais do que deixando seu dinheiro em aplicações usuais e já sabe o valor que irá receber – sem riscos de oscilação, e a empresa economiza, porque buscar esses mesmos recursos em bancos teria um custo muito elevado.

Para que se tenha uma ideia da importância disso, de acordo com dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais), apenas em 2019 a captação de recursos por debêntures das anônimas representou R$117,4 bilhões, dinheiro que veio direto de investidores, sem interferência de bancos. Mas essa possibilidade, hoje, está restrita a sociedades anônimas.

Os bancos não podem emitir debêntures, mas podem fazer algo semelhante chamado de emissão de CDBs. O efeito é o mesmo.

E por qual razão as limitadas e sociedades cooperativas nunca foram autorizadas a emitir debêntures? A resposta passa por algumas informações preliminares.

No Brasil, 98% das sociedades não são anônimas, sendo essas uma minoria. De acordo com dados da Receita Federal, temos cerca de 3,5 milhões de sociedades limitadas ativas no país, contra apenas 1.040 sociedades anônimas, ficando essa preclara minoria com direitos e benefícios que deveriam ser de todas.

Das vinte maiores sociedades do país, cinco são cooperativas. E volta-se à indagação: -qual a lógica de se proibir limitadas e cooperativas de captar recursos emitindo debêntures, autorizando apenas as anônimas? A resposta é lobby das instituições financeiras.

A dependência de instituições financeiras para sociedades limitadas e cooperativas é de tal forma arraigada à nossa cultura, que será necessária uma divulgação massiva da importância desse projeto, porque mesmo após aprovado, irá demorar para ser inserido na mentalidade do empresariado não familiarizado com essa modalidade.

As sociedades anônimas não necessariamente dependem de instituições financeiras para captar recurso. Já limitadas e cooperativas, que poderiam fazer o mesmo são, atualmente, reféns dos bancos.

Mas grande parte da doutrina sempre concordou com a emissão de debêntures por todo tipo de sociedade. Ocorre que essa emissão privada passa pelas Juntas Comerciais, que barram o pedido de registro e arquivamento dessa emissão. Atraso atrás de atraso.

Importante ainda lembrar que existe a possibilidade de essas debêntures, em determinados casos, serem conversíveis em cotas da empresa emissora, o que depende da aceitação do investidor e das vantagens envolvidas na operação.

Debêntures em sociedades limitadas são admitidas em outros países há muito tempo. Inglaterra, Estados Unidos e Itália, dentre vários outros, a utilizam em larga escala. Mas como dizia Tom Jobim, “o Brasil não é para principiantes”. Aqui tudo é mais difícil.

Em tempos de pandemia, principalmente, a aprovação desse projeto em tempo curto ajudaria e muito a economia, e findaria com uma situação de desigualdade que não tem qualquer justificativa de existir.

Roberto de Mello Severo é advogado.