O arquiteto Jaime Lerner partiu recentemente. Durante semanas assistimos à apresentação de imagens do Calçadão da rua XV de Novembro (1972), a Rua das Flores, em Curitiba. É um de seus projetos emblemáticos.

Surpreende na Rua das Flores a atratividade e vitalidade contínuas. Cinqüenta anos depois da implantação, permanece como um dos principais cartões postais de Curitiba.

Importante observar que o piso em petit-pavê, bancos, floreiras e quiosques são de modelo original, impecáveis na manutenção. Sem concessões à pintura em “lápis de cor 6 cores”. Existe unidade e continuidade. Mostra a importância da permanência do mobiliário urbano como componente na definição de atmosfera e construção do caráter. Gravar a história. Revela a sensibilidade, conjunta, de moradores no reconhecimento de valores, a competência de técnicos de órgãos de planejamento, o interesse de políticos e de comerciantes apoiando e usufruindo da preservação de espaços públicos com qualidade.

Logo após o Calçadão da XV de Novembro, Lerner projetou o Calçadão de Londrina (1977). Fazia parte do projeto de revitalização da Área Central, de integração de espaços públicos. O Calçadão de Londrina (1977) e o Calçadão de Curitiba (1972) são, portanto, contemporâneos. A proposta de Londrina teve Curitiba como inspiração.

Um livreto do projeto de “Revitalização da Área Central de Londrina” (1977) traz na capa o conjunto de luminárias “araucária” com cinco globos, bancos de estrutura metálica e madeira, quiosques com cobertura em abobada e floreiras de pranchas de madeira. Formavam um conjunto de design integrado.

Curiosamente, o piso desenhado na ilustração da capa do livreto não trazia o conhecido mosaico em forma de corrente. De “inspiração carioca”, havia sido definido na época, numa tarde, pelo arquiteto Hely Bretas dialogando com o engenheiro Rudolpho Horner, ambos da Prefeitura de Londrina.

Felizmente, restou em Londrina uma parte do projeto de 1977. Agora, certamente, com maior significado e importância. É o trecho da Praça Willie Davids, considerada área de preservação envoltória do Cine Teatro Ouro Verde. Piso e luminárias originais permanecem. Continua, no entanto, exposto a constante risco de descaracterização por conta de projetos denominados genericamente de “revitalização”.

Em 2014, a impaciência desmantelou, instantaneamente, boa parte do Calçadão. Substituiu o piso petit-pavê por paver, retirou e espalhou pela cidade todo mobiliário original. Alguns bancos retirados na época sobrevivem perto da barragem, nas margens do Igapó I. É preciso fortalecer os órgãos e conselhos de preservação do patrimônio cultural.

Reintroduzir o mobiliário de modelo inicial e o petit-pavê nos quarteirões da Praça Willie Davids e da Praça Marechal Floriano. Reestender o projeto original do Calçadão de 1977. Reaprender com Curitiba.

Afirma-se que, dois ou três anos atrás, consultado sobre a intenção de recuperar o projeto do Calçadão de Londrina, Lerner teria respondido, com generosidade: “Façam uma coisa nova...” Sim, é preciso fazer. O novo é resgatar e preservar os lugares da memória. Somos o que pisamos: o chão de pedra ou o atemporal paver. Mudar ciclo e paradigmas.

Londrina, cidade centenária.

Humberto Yamaki é arquiteto e coordenador do LabPaisagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL)