Lições da mancha - Vilmar Berna
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 11 de abril de 2000
Lições da
mancha
Vilmar Berna
Não existe Petrobras só na Baía de Guanabara, no Rio. Todos os cidadãos devem exigir da empresa localizada em outras regiões do País, que reveja seus procedimentos de segurança e meio ambiente para impedir os vazamentos de óleo. De que adianta um plano de contingência para acidentes se ele existe só no papel, se as pessoas e instituições não recebem o treinamento adequado e muito menos têm clara a cadeia de responsabilidades e a manutenção do sistema? Quanto tempo será preciso para que empresa e as autoridades esqueçam esta lição, como esqueceram a de 1997?
A bacia hidrográfica da Baía de Guanabara possui cerca de 10 mil empresas. As autoridades podem se dar ao luxo de pressionar empresas do porte de uma refinaria da Petrobras sem que isso desperte o pânico da população pelo emprego. Mesmo assim, as autoridades de controle ambiental estaduais, federais e municipais deixaram que uma refinaria de petróleo funcionasse sem licença ambiental. Então, que dirá em cidades do interior, ou numa região afastada, onde a empresa é a maior, se não a única empregadora da região? E a imprensa em regiões assim, será que terá a independência necessária para criticar uma empresa tão poderosa e fundamental, sem ser acusada de estar fazendo imprensa marrom?
O sentimento de revolta mistura-se com o de impotência diante de aves com suas penas cheias de óleo. Na tentativa de salvá-las, é preciso agravar o drama para capturá-las. Elas correm de um lugar para o outro, tentam voar, mas acabam capturadas, mortas de medo e perplexidade. Como podem ter engolido óleo, um tubo é enfiado em sua goela para encher seu estômago com uma mistura de soro e carvão. Após um breve descanso, suas penas são lavadas com muito detergente de cozinha e água morna para, finalmente, receberem medicamentos. Visualmente, depois que secam as penas, até parecem melhores, para logo depois se constatar uma alta mortalidade por diarréia ou desidratação.
Com tantos riscos de acidentes ambientais, por que o País até hoje não dispõe de um Centro Permanente de Voluntariado Ambiental que possa manter treinado e mobilizado grande contingente de cidadãos para atuar em emergências? Por que é tão difícil encontrar especialistas, técnicas, tecnologias para captura, resgate, ações emergenciais e tratamento de animais silvestres? Por que não existe um Centro Permanente de Reabilitação de Animais Silvestres Vítimas de Acidentes Ambientais?
Quanto vale o peixe que o pescador não consegue mais vender porque o consumidor teme que esteja contaminado por óleo derramado pela Petrobras? Quanto vale o turismo que restaurantes, hotéis, pousadas deixarão de vender, porque os turistas não querem nem pensar de ter de passar suas férias num lugar sujo de óleo? Quando a contabilidade ambiental será considerada seriamente no cálculo de acidentes ambientais deste porte?
O valor máximo da multa prevista na Lei de Crimes Ambientais é de R$ 50 milhões, mas o governo do Estado do Rio achou razoável uma multa de apenas R$ 49 mil. O Ministério do Meio Ambiente negociou o cancelamento desta multinha para aplicar uma outra, de R$ 50 milhões. Ainda quase nada. As sanções que foram aplicadas à Exxon pelo acidente com óleo derramado, ocorrido em 24 de março de 1989 incluíram US$ 2,2 bilhões na limpeza. Somente os levantamentos periciais tiveram o custo de US$ 700 milhões, US$ 300 milhões em indenizações a particulares US$ 1 bilhão em condenações criminais e civis nas ações promovidas pelas autoridades federal e estadual. Ainda há um processo pendente onde se pleiteia US$ 5,3 bilhões em indenizações.
Se você fosse o técnico ou o presidente do Banco Internacional que precisa examinar o pedido de financiamento para a despoluição da Baía de Guanabara, diante e um acidente destas proporções, irá recomendar a renovação ou a concessão de novo empréstimo?
- VILMAR BERNA é editor do Jornal do Meio Ambiente e foi o único brasileiro a receber em 1999 o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente
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