À ansiedade sucedeu a surpresa, envolta em alegria estonteante e muita satisfação. No balcão principal da Basílica de S. Pedro, eis o novo papa! Americano de nascimento, peruano de coração, cidadão do mundo! O pontífice recém-eleito é Robert Prevost, norte-americano de 69 anos. Embora seu nome não estivesse no top das “apostas”, era um dos “papáveis”. Amigo pessoal de Francisco, foi bispo de uma irrisória diocese latino-americana, no Peru. De lá, foi chamado ao Vaticano para comandar o poderoso Dicastério para os bispos.

Porém, o que nos chama a atenção nesta primeira abordagem é a escolha do nome. Como sabemos, desde os primórdios, o cardeal eleito deve escolher o nome com que será chamado. Isso diz muito, muito mesmo, sobre o “seu programa de governo”.

Bergoglio escolheu Francisco e tivemos a oportunidade de verificar, ao longo de doze anos, como ele viveu intensamente o ideal de São Francisco de Assis. Prevost escolheu Leão XIV. É, portanto, de fundamental importância que revisitamos Leão XIII, papa que comandou a Igreja Católica de 1878 a 1903.

Foi um homem extraordinário em todos os sentidos. A ele devemos o início de uma doutrina social da Igreja que ao longo do século XX foi aprofundada por João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e, de modo especial, neste século, por Francisco. Leão XIII foi o primeiro a tratar oficialmente questões sociais envolvendo o mundo do trabalho, diante das mudanças trazidas pela Revolução Industrial. Com isso, escreveu uma encíclica referencial até aos nossos dias: a Rerum Novarum.

Defendeu explicitamente os direitos dos trabalhadores a um salário justo, descanso, liberdade de associação (sindicatos católicos) e rejeitou tanto o socialismo marxista quanto o liberalismo selvagem. Defendeu a propriedade, mas com um ingrediente novo, que João Paulo II aprofundaria: ela deve ter uma nítida função social. O papa polonês diria textualmente: “pesa sobre toda a propriedade particular, um ônus social”!

Outrossim, nos chama atenção um pormenor de extrema importância, tendo em conta que o papa eleito é agostiniano. Leão XIII publicou outra grande encíclica incentivando o retorno à filosofia clássica, em que se inclui por óbvio o grande Santo Agostinho.

Por outro lado, o papa da virada do século XIX para o XX buscou uma aproximação diplomática com os Estados laicos, mesmo após a perda dos Estados pontifícios em 1870 e defendeu o diálogo e a presença da Igreja nas questões política e sociais, sem se fechar num isolamento. Defendeu a importância da liberdade religiosa procurando formas de coexistência pacífica entre a Igreja e os Estados modernos. Foi um dos papas mais longevos, tendo vivido até aos 93 anos. Ficou conhecido pelo “papa da sabedoria e da diplomacia”.

Leão XIV não será, por óbvio, um Leão XIII! Mas, ao escolher esse nome e tendo sobre os ombros o fardo pesado de substituir Francisco, podemos crer que as principais teses do papa argentino terão continuidade. Não busquemos, porém, imitação de estilo! Todos somos irrepetíveis! Não existem fotocópias! O mundo que recebeu de Francisco tantas advertências contra a insanidade no que concerne a guerras, refugiados, mudanças climáticas etc. terá com certeza em Prevost a mesma postura do anterior.

Trump não tem motivos para estar feliz. Não encontrará no Vaticano nenhuma acolhida para os seus arroubos autofágicos e constrangedores. Apesar de americano, e talvez por sê-lo (!), o atual papa se distanciará do ocupante da Casa Branca, tanto quanto a diplomacia lhe permitir.

A Igreja Católica já deu um recado inequívoco aos aprendizes de autocratas e violentos: sua fidelidade ao Evangelho pode levá-la às últimas consequências da denúncia profética, mas não se curvará a interesses “mundanos”! Esse foi o papado de Francisco, revelado em muitas oportunidades, como em Estrasburgo, quando chamou a velha Europa de “anciã estéril”! Existem questões que se tornaram irreversíveis e inegociáveis e que Leão XIV, em seu pontificado, fará jus ao seu nome!

O mundo precisa de sábios papos e principalmente papas humanos.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina

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