Joel Samways
Quem assistiu aos depoimentos prestados na comissão especial do Congresso, que analisa a medida provisória dos bingos, semana passada, decerto ficou decepcionado. Pelo menos, os que esperavam ver e ouvir provas bombásticas a respeito da atuação da máfia italiana no Brasil. E, mais especificamente, para nós, paranaenses, a decepção misturou-se à desconfiança. É que, há algum tempo, o ministro do Esporte e Turismo, Rafael Greca (PFL-PR), falando ao Senado, teve um arranca-rabo com o senador Roberto Requião (PMDB-PR), que o acusou de estar ligado à Cosa Nostra. Mas Requião disse isso no seu velho estilo, esbravejando, fumegando pelo nariz e soltando raios pelos olhos. Dava até a impressão de que ele tinha consigo, no mínimo, uma fita de vídeo com imagens gravadas por algum cinegrafista amador, contendo, sei lá, o momento em que o ministro estaria conversando com um desses capos que usam terno preto, chapéu preto e óculos escuros; ou recebendo dinheiro dessa gente... O senador Requião não tinha nada disso. Quem tinha era o Ministério Público Federal (MPF), que, segundo o feroz acusador, estava investigando o caso e sabia tudo.
Pois o MPF, por dois de seus procuradores, esteve perante a comissão especial. Os procuradores falaram, falaram, deram sugestões etc. Aí, na hora de os integrantes da comissão fazerem perguntas, o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) perguntou quais seriam as provas de que a máfia italiana estaria envolvida com os bingos brasileiros. Os procuradores falaram, falaram, e não responderam. O senador Dias perguntou de novo. Os procuradores não responderam. O senador Dias tornou a perguntar – fez isso umas seis vezes. Até que um dos procuradores mostrou um calhamaço de papéis – ‘‘são 190 páginas’’ – referentes à carta rogatória expedida pela Justiça da Itália, solicitando decerto algumas providências a serem tomadas pela Justiça brasileira. Mas alegou que não haveria tempo para ler tudo aquilo.
O senador Dias insistiu. Então o outro procurador pediu a palavra e falou que era meio constrangedor tratar de detalhes pois o caso se encontrava em fase de investigação. Chegou a dizer que o irmão de uma amante de um mafioso estaria negociando com um espanhol, que, por sua vez, seria pertencente a uma empresa que estaria fornecendo equipamento... Falou, mas não disse quais seriam as provas de que a máfia italiana estaria atuando no País – nem que provas havia de que o ministro Greca seria um dos implicados.
Quer dizer, tudo o que o MPF tem, até o momento, são indícios, grandes, porém indícios. Indício é mero indicativo de prova, pode valer alguma coisa e pode não valer nada. Só para o senador Requião, que deve entender de prova policial e judicial, indícios bastam. Francamente, enquanto os procuradores gaguejavam e não respondiam à pergunta do senador Alvaro Dias, deveriam ser amordaçados no ato. Amordaçados até que seu trabalho os permitisse fazer provas suficientes para a acusação.
Ironicamente, nessa mesma comissão, o deputado Augusto Nardes (PPB-RS) mostrou carta em que o prefeito de Ametista do Sul (RS) denuncia que um dos referidos procuradores tentara convencê-lo a assinar documento indicando corrupção no Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto (Indesp, ligado ao ministério de Greca). Pode ser tudo mentira, mas a imprensa já vinha publicando o indício e pondo o procurador em banho-maria. Vai experimentar uma dose desse xarope nojento que é o tribunal imediatista da mídia.
TRÉPLICA AO PADRE Quero dizer ao padre João Caruana, por quem fui lembrado em seu artigo ‘‘MST, guerrilheiros, lei e religião’’ (nesta Folha, dia 1º), que o fato de um ministro do Superior Tribunal de Justiça e um juiz federal terem se manifestado no sentido de considerar justa a pressão exercida pelo MST não torna justos, nem legais, o abuso e a violência por ele cometidos. Depois, não sou católico, nem li a mensagem papal referida pelo padre. Mas duvido que o papa, ao defender que a propriedade privada (à qual reconheceu legitimidade) deve ter função social, estivesse defendendo o uso de armas de fogo, bombas, esbulhos possessórios, depredação do legítimo patrimônio alheio. Tem fazendeiro honesto, dono de terras produtivas, que vai à cidade no domingo, assistir à missa, e não sabe se, ao voltar, poderá entrar em sua casa, porque os sem-terra a invadiram só para fazer uma pressãozinha contra o governo. E daí? O fazendeiro e sua família, fiéis à Santa Sé, serão abrigados na casa paroquial, enquanto vêem tudo aquilo que construíram durante anos de trabalho duro ser arriado em poucas horas pelos invasores? Esse é o xis da questão. Reforma agrária, sim; terrorismo, não.