JOEL SAMWAYS NETO
Amordaçados
Essa história de ‘‘lei da mordaça’’, para mim, é invenção da imprensa. É a lei que proíbe que promotores de justiça, procuradores de justiça (integrantes do Ministério Público) e juízes de Direito revelem à mídia, ou lhe permitam meios de acesso, acerca de fatos e informações dos processos em que estejam atuando. Desde que esses fatos e informações violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas. Ora, ora, essa lei deveria se chamar ‘‘lei da cidadania’’, pois protege boa parte dos direitos e garantias individuais estabelecidos na Constituição.
Para os magistrados, já existia lei que os impedia de tecer comentários a respeito dos processos que estiverem sob sua apreciação – pois, se ficar configurado interesse em beneficiar um dos litigantes, eles não poderão julgar o caso. Aliás, é da tradição da magistratura os juízes só se manifestarem nos autos do processo. Um ou outro, por vezes pressionado por um jornalista mais teimoso, acaba dizendo alguma coisa, mas é raro. Os integrantes do Ministério Público, sim, costumam aparecer mais. Até porque, embora devam obedecer ao princípio da objetividade, não são juízes, podem tomar partido numa causa e defender suas teses, ainda que favoráveis a uma das partes. Então, ocorre que mesmo na fase de inquérito policial, tem promotor falando a respeito de indiciados e suspeitos, o que prossegue na chamada fase de formação da culpa, durante o processo criminal. Não é diferente na esfera civil. Note, leitor, o peso de um promotor aparecer na televisão dizendo que fulano, acusado de ter má-conduta, poderá perder a guarda de seus filhos. Ou que ele será denunciado por ter batido na esposa, e as provas do delito são robustas... O tal fulano, ainda que porventura venha a comprovar sua inocência, estará profundamente marcado, lesado em sua intimidade, em sua honra, em sua imagem (se seu rosto aparecer na reportagem). Se essa violação à cidadania já é séria quando delegados de polícia vêm falando que tem duas testemunhas oculares que viram o ‘‘elemento’’ assediando a vítima, ou coisa parecida, imagina se o comentário vem do promotor, ou do juiz.

PROCESSOS PÚBLICOS Outra coisa: todos os julgamentos do Poder Judiciário são públicos, exceto aqueles em que o interesse público justificar restrições. Quer dizer, se a imprensa quiser saber alguma coisa sobre o caso, basta se dirigir ao respectivo cartório do Juízo e ler as peças processuais. Os entendimentos do juiz, do promotor, dos advogados das partes, estão todos ali, por escrito. É excrescente encarecer que o juiz e o promotor falem sobre o que já escreveram.
Tem promotor que alega ser a publicidade uma espécie de proteção ao exercício funcional. Porque, com a divulgação, os indiciados, suspeitos, denunciados, acusados, réus, ficam mais intimidados em partir para retaliações contra o promotor; e se alguma coisa lhe acontecer, as suspeitas recairão rapidamente sobre as pessoas contra as quais ele agia. É discutível isso. Porque nada impede que a imprensa noticie o fato, o inquérito, o processo, e quais estão sendo os posicionamentos. Como disse, basta ler o processo. O que a lei pretende impedir são as declarações pessoais desses servidores públicos e os vazamentos de informações que possam ocorrer sob sua responsabilidade.
Os precipitados da mídia, no entanto, saíram gritando: ‘‘Censura! Censura!’’ Ridículo. O que se quer proibir são os abusos e as violações, não o que é razoável.
DEPUTADOS GAZETEIROS Lamentável o auê da mídia em cima dos parlamentares que estão faltando aos trabalhos da convocação extraordinária. Porque generaliza perigosamente. Recentemente, jornais publicaram uma lista com os nomes dos gazeteiros. Seria uma perfeita prestação de serviço à sociedade, nominar os parlamentares que, apesar de estarem sendo bem pagos, não se apresentam às sessões e não se justificam. Mas não são todos, não. Só para citar um exemplo, o do deputado federal Abelardo Lupion. Disseram que ele fazia parte do rol dos gazeteiros quando, na verdade, estava viajando, em missão oficial, à Índia. Sendo presidente da Comissão Brasil-Índia, fora designado pelo presidente da Câmara dos Deputados para acompanhar comitiva àquele país, com a tarefa de participar das conversações que há de fortalecer relações comerciais com o Brasil. O próprio deputado fez esses esclarecimentos a uma rádio, em Curitiba. Porém, antes, a emissora tinha lançado no ar uma pergunta, indagando o ouvinte o que ele achava das gazetas parlamentares. Daí, alguns radiouvintes se manifestaram com críticas negativas, evidentemente. E houve quem dissesse que legislador tinha é que legislar, não ficar viajando para exercer funções do Poder Executivo. Esqueceu o cidadão, bem como o serviço da rádio, de que os legisladores não só legislam, mas também fiscalizam e controlam os atos do Executivo, e que, como representantes do povo, têm o dever de comparecer a encontros nos quais são tratados assuntos do interesse nacional.
BARRIGA DE ALUGUEL Merece cumprimentos a cascavelense que tomou a iniciativa de anunciar locação de seu ventre a casais que não pudessem ter filhos. O tema é meio requentado (foi tratado até em telenovela), mas importante, principalmente, numa sociedade preconceituosa como a nossa. Não há nada de errado nisso, e a técnica médica, segundo especialistas, também não é complicada. Fazem a inseminação in vitro e o ovo locatário é colocado no útero da locadora. Sim, é evidente que existem muitas crianças, inclusive recém-nascidas, abandonadas, e que mereciam a chance de uma boa adoção. Só que a escolha deve ser livre, tal qual a oferta de opções. Já existem bancos de sêmen, bancos de óvulos, administrados por agência... Qual é o problema de, daqui a pouco, surgir uma agência para administrar barrigas de aluguel? Aliás, noutra ocasião, defendi que o Estado deveria se preocupar com isso e chamar para si parte da responsabilidade. Veja o caso da gravidez decorrente de estupro. Nossa lei permite que a mulher, vítima da violência, faça aborto. Agora, o que o embrião tem a ver com o crime? Não poderia o Estado oferecer a possibilidade desse embrião se desenvolver no útero de uma outra mulher? A gravidez não poderia chegar a bom termo e o nascido se tornar um bom cidadão? A cultura criou certos modelos fechados, que têm sido repassados na herança social, que estão a merecer uma revisão urgente. No caso de Cascavel, a mulher se dispôs a alugar o ventre por problemas financeiros – e não demorou muito para fechar negócio com um casal conhecido dela. O que importa é que ela estará prestando um serviço relevante, ajudando a construir a felicidade de pessoas que talvez pudessem optar por uma adoção, mas preferiram um filho com seus próprios genes.
- JOEL SAMWAYS NETO é escritor e procurador do Estado em Curitiba, e substitui o jornalista Luiz Geraldo Mazza, que está em férias