Conta-se que nos recônditos da Península Ibérica, nos idos do primeiro século da era cristã, a cada investida de inimigos do leste, tribos rivais e adversários de aldeia, se punham imediatamente de acordo e escorraçavam os invasores. A célebre piada árabe também nos ajuda no raciocínio: “Eu contra o meu irmão, eu e meu irmão contra o meu primo; eu, meu irmão e meu primo contra todos”!

O Brasil está sendo devastado por dois inimigos. Um, conhecidíssimo desde o começo da sua história republicana, ou até antes, e o outro surpreendente para toda a humanidade. A concomitância desta dupla infelicidade se constituiu no maior desafio para o nosso país em termos de sua sobrevivência a longo prazo. A incapacidade de nossos políticos de se articularem dentro das regras estabelecidas, viabilizando um governo profícuo e próspero, eliminando e erradicando todas as possibilidades de corrupção, tem sido notória. Desde 1988 nenhum governo o conseguiu fazer.

A promiscuidade do executivo com o legislativo e um eventual ativismo judicial têm sido uma infeliz tônica nos últimos anos. No entanto, este país fragilizado demonstrou um poder surpreendente ao se colocar na linha da frente de um dos melhores sistemas de saúde do mundo e ter ocupado a vanguarda no combate ao vírus da AIDS.

Por outro lado, a Covid-19 bateu à porta de todos os países do mundo, testando a sua capacidade sanitária e política, em abordar um inimigo imprevisível desse calibre! Foi mais do que um teste! Foi um tsunami, que não admite ensaios nem improvisações. A fortíssima União Europeia sentiu no flanco um dardo quase mortal para os seus sólidos sistemas públicos de saúde. Os EUA que gastam com a indústria bélica cerca de 4% do seu PIB e não são famosos pelo mesmo trato com a saúde dos seus cidadãos, comandam hoje o maior número de mortos pelo coronavírus. Aqui no Brasil, passamos de mil enterros por dia no momento em que escrevo. Somos, talvez, o terceiro país com mais mortos.

Estou convicto de que já ultrapassamos a linha tolerável para abordarmos o inimigo, com a sabedoria dos bárbaros ibéricos. O país politicamente polarizado ao extremo, não se sustenta; principalmente no atual momento. Estamos banalizando a morte, enterrando cidadãos, enquanto a orquestra toca partituras de péssimo mau gosto.

Não é mais somente a democracia que corre perigo. É a própria nação. O cruzamento entre posturas inflexíveis e pessimismo generalizado só pode gerar uma destruição irrecuperável. Não está mais em causa se militares poderão ser atraídos para um anacrônico golpe ou o pacto federativo do país não é tão perfeito assim, colocando os vários protagonistas em rota de colisão. A essência da questão é uma união de todos contra esse inimigo invisível, à luz de um Estado de Direito respeitado e da eliminação imediata da cultura das fake news.

Chega de idolatrarmos a mentira, oferecendo-lhe milhares de sacrifícios humanos! O Brasil precisa parar para respirar. Esta visão aparentemente pueril e ingênua é tudo de que necessitamos. A arrogância de uns e o ódio de outros devem ser desarmados de imediato. Pousemos as armas e busquemos os arados. Deixemos os conflitos ideológicos e cultuemos a ciência. Não existe outro caminho. Se o mundo todo discute um pós-covid, aqui neste país dilacerado pelas divisões suicidas comecemos a agir como guerreiros sob o mesmo estandarte! O povo fique em casa. Mantenha-se vivo até à chegada da vacina! O nosso Estado apoie os profissionais da saúde e seja corajoso e organizado em ajudar os outros entes da federação e empresários que muito sofrem com a pandemia. As nossas diferenças discutamo-las quando os bárbaros forem derrotados!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina