Quarenta e seis mil, trezentos e sessenta e seis reais e dezanove centavos. Grave este número. Ele deve ser escrito por extenso até à menção dos centavos! É esse o novo “salário” do Presidente da República, Vice, Deputados, Ministros do Supremo, etc. É simplesmente trinta vezes maior do que o salário mínimo vigente. Fica claro portanto, que a menção aos centavos adquire real significância! Para quem ganha 1.518 reais, qualquer moedinha é valiosa na farmácia ou no mercado. Vivendo no mesmo país e frequentando os mesmos estabelecimentos, comprando o mesmo arroz e feijão, temos dois tipos de brasileiros. Os que metem a mão no bolso e não perguntam preço e os que olham o preço e não compram! Talvez o leitor ande distraído e não lembre, mas Lula assinou recentemente uma lei que estabelece que, até 2030, haverá um teto de reajuste do salário mínimo de 2,5% acima da inflação. Medida faz parte do pacote de contenção de gastos aprovado pelo Congresso. É preciso manter os pobres no seu lugar! Qualquer aumento das migalhas, fará tremer os pilares do Estado e inviabilizará o sistema previdenciário. Pobre deve contribuir com o equilíbrio das contas da nação! Neste quesito, o país esperava mais avanços e menos contradições no atual governo.

Frequentemente lemos que Câmaras aumentaram o salário de Prefeito e Secretários e logos após, o seu próprio. Lemos também que os congressistas se deram aumentos no contra cheque e o mesmo fizeram com todos os personagens da alta república. Seria um mundo idílico e perfeito, se todos os brasileiros pudessem proceder deste modo: atualizar os seus salários conforme as suas necessidades. Imaginemos a cena hilária de um funcionário avisando o patrão que a partir do próximo mês, iria auferir 15% de aumento! Mas os funcionários do Estado (que somos nós), o avisam, que decidiram aumentar os seus recebimentos!

Não é novidade que o ser humano cria necessidades, em sua maioria supérfluas. De uma casa pequena visa uma mansão, de um carro popular almeja uma “máquina potente” de luxo; viagens internacionais, roupas de marca etc. A ambição legítima que habita cada um de nós e é motor de progresso, rapidamente se polui quando escapa a um “ethos”, a uma moral. Ora, Imoralidades estão no rol das causas que mais implodem sociedades e impérios. Sublinho, contudo, que estou longe de me referir a comportamentos individuais, que eventualmente escapem a normas sociais convencionais. Estas “imoralidades” pertencentes a um determinado código de postura, são rapidamente enquadradas pelo sistema e em muitos casos penalizadas. As sociedades e as civilizações possuem mecanismos de proteção que em geral leva à exclusão os que evidenciam comportamentos ditos “imorais”. A ética por sua vez, do campo da axiologia, aponta para valores, cuja validade determina a qualidade de uma sociedade. Vem do grego “ethos” que significa “caráter” ou “costume”. Ela se impõe com princípios básicos que são comuns a vários grupos.

Numa Democracia, os princípios oriundos da revolução Francesa que inauguraram a era contemporânea, são as fundações inabaláveis que suportam o arcabouço de um Estado de Direito. Por conseguinte, a desigualdade, a humilhação das classes inferiores e o fausto das superiores num cínico esbanjamento, tornam-se uma bactéria poderosíssima capaz de provocar tensões e convulsões sociais. A implosão, estará a um passo!

Em países desenvolvidos o vértice da pirâmide não passa de 7 vezes o salário médio! Trocando em miúdos: ou este salário tupiniquim seria de 6.570 reais ou os que nos representam não ganhariam mais 10.626 reais! Simples assim! As gôndolas do mercado e as prateleiras das farmácias não conhecem divisão de classes!

A desigualdade profunda que mancha a nossa sociedade impede a aproximação entre os vários “tipos” de brasileiros! Se em algum momento as classes mais humildes conheceram aeroportos ou até cruzeiros marítimos, isso não significou nenhuma redução do abismo entre classes! Mas este fosso perverso não é somente salarial! Quem ganha pouco, tem menos acesso à justiça cara, é mais vítima de todo tipo de violência e vê as universidades públicas sendo ocupadas pelos filhos dos ricos! Portanto, 46.366,19 centavos nem é muito nem é pouco; é apenas uma insanidade no contexto brasileiro!

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos

Arquidiocese de Londrina