Hasta la vitória Pepe...
Mais que um modelo, Mujica encarnou a necessidade de estabelecer um diálogo permanente com a sociedade civil
PUBLICAÇÃO
quinta-feira, 15 de maio de 2025
Mais que um modelo, Mujica encarnou a necessidade de estabelecer um diálogo permanente com a sociedade civil
João Gomes Filho
Noticia a rede mundial a morte (13/05/2025) de José Alberto Mujica Cordano, mais conhecido enquanto Pepe Mujica, ex-presidente Uruguaio e um dos maiores homens de nossa época.
Mujica nasceu (1935) em uma família humilde nas cercanias de Montevidéu (Paso de La Arena) de intensa atividade política (seu avô paterno foi eleito prefeito várias vezes em Colônia).
Nos anos sessenta foi Tupamaro (grupo guerrilheiro de esquerda Uruguaio) tendo ficado preso por treze anos (1972 a 1985), na conta de sua atividade revolucionária. Com a anistia (1985) ganhou a liberdade e tornou à arena política, criando com antigos companheiros Tupamaros o Movimento de Participação Popular (MPP).
Sou mais que um fã de Mujica, a quem conheci por avistamento em um restaurante de Montevidéu em 2003, quando patrocinava os interesses de um cidadão brasileiro colocado em conflito com a legislação penal.
Essa minha atuação profissional se deu no bojo de uma midiática operação policial que demandou um período no Uruguai (Montevidéu) para onde rumei no interesse do patrocínio.
A demanda apontou para a contratação de um advogado em Montevidéu, para dar suporte aos trâmites que se descortinariam em Uruguai, onde o cliente fora preso em cumprimento de uma custódia preventiva decretada no Brasil.
Minha indicação foi o professor Raul Cervini (a quem conhecia por sua obra jurídica escrita em parceria com Luiz Flávio Gomes) que, desafortunadamente, declinou o patrocínio em face de um bem delineado conflito de interesses.
Guardo esse parco contato com Raul em minhas memórias, ainda e também porque foi em um café, em frente ao prédio onde ele tinha seu escritório, que me apresentaram, rapidamente, Pepe Mujica – então senador.
Deveras, a consulta com o professor Cervini estava marcada para as 15h e eu vinha de virar a madrugada trabalhando no hotel. Por volta de 13h bateu uma fome e, como não sabia a distância do hotel ao escritório, optei por ir para lá e ver se encontrava um restaurante nas cercanias. Para minha sorte, em 15 minutos já estava às portas do edifício e, do outro lado da rua, havia um café.
Foi neste restaurante que um jornalista uruguaio com quem tratei por ocasião de uma coletiva de imprensa, semanas antes, estava entrevistando o então senador Mujica. Ao entrar no prédio, o repórter se levantou para me cumprimentar e, ato contínuo, apresentou-me Pepe – a quem apertei a mão.
O que seguiu já é história.
Com a morte de Mujica, todavia, o mundo fica menor – e essa é uma constatação a que aporto não só pela história política de Mujica, mas muito em conta da conduta de vida e das pautas que o uruguaio abraçou pelo caminho.
Enquanto Presidente da República, Mujica descriminalizou a maconha em solo Uruguaio, diminuindo sensivelmente o tráfico de entorpecente e, de consequência, a criminalidade no seu entorno. Questionado sobre um possível incentivo ao uso das drogas, Mujica respondeu que sua intenção não tisnava qualquer incentivo e sim dificultar a vida do traficante, mudando em Uruguai o viés político de combate ao tráfico de entorpecentes.
Além disso, descriminalizou o aborto até a 12ª semana de gestação e legalizou o casamento homo afetivo.
Para além das muitas medidas políticas que impactaram a vida do cidadão uruguaio, Mujica pautou seus esforços em feroz oposição ao consumismo desarrazoado de nossos dias, esgrimindo o maior vetor neoliberal de sempre quando, por exemplo, disse que "não se pode comprar vida em supermercados", sugerindo a primazia da vivência sobre a irracionalidade do consumo.
Em sua icônica visão de mundo, Pepe estabeleceu que o importante na vida não seria triunfar, mas sim levantar quando se cai. Bem por isso, amou a humanidade e, por amar demais, socializou toda sua conjuntura, salvaguardando o coletivo sobre o individual, no que tange o espectro social da vida em sociedade.
Viveu modestamente uma vida plena e significativa, onde se colocou à serviço do povo uruguaio e das demandas urgentes que a transição do século XX para o XXI estabeleceram.
Mais que um modelo, Mujica encarnou a necessidade de estabelecer um diálogo permanente com a sociedade civil, em ordem a encurtar distâncias e desgastar as sensíveis desigualdades que a vida estabelece.
Parafraseando o laureado Leonardo Sakamoto, "um cara assim não se vai. Mujica morreu hoje, mas – contra a sua vontade – alcançou a imortalidade".
Tristes e ainda mais pobres trópicos, com o passamento de Pepe Mujica.
Saudade Pai!
João Gomes Filho, advogado

