Impressiona a capacidade humana de produzir estupidez em profusão. Sei disso há muito tempo, mas há momentos (e sandices) que superam minha condição de compreender e aceitar. É o que passa quando leio, em alguma mídia que visito, matéria alusiva a uma fala do cantor sertanejo Gustavo Lima que se auto lançou candidato da extrema direita à presidência da República.

O cantante disse, literalmente, que o ‘agronegócio está cansado de pagar imposto’. Li, reli, e três li – ainda assim sigo impactado, naquilo que cansar de alguma cousa não é senão consequência do esgotamento de uma qualquer atividade ligada ao estado de ânimo anunciado e, no caso específico, tudo que o agro não pode (se tiver dois neurônios minimamente pareados e um caráter ligeiro) é reclamar do trato que o estado brasileiro vem lhe conferindo há anos.

Sabe lá o que é subsídio, Gustavo? O agro sabe, a tripa forra! Quereria (ainda) mais do estado o agro? Sério isso, Gustavo? E o agro, o que diz?

Não sei, deveras, se o cantante é porta-voz do agronegócio. Sei que ele é cantor e tem um público grandioso entre os de botina, o que potencializa a sua fala enviesada ao extremo, dando margem falsa à interpretação livre que põe no colo da extrema direita um discurso mentiroso de que o agro é sinônimo de coitadismo explorativo no Brasil – quando é justamente o oposto que se passa.

Vamos aos números? Uma pesquisa ligeira na internet demonstra que o governo subsidia o agronegócio por meio, por exemplo, do Plano Safra, que oferta crédito, incentivos e políticas agrícolas. O Plano Safra 2024/25 foi lançado com $400.59 bilhões para o agro empresarial e $74.98 bilhões para agricultura familiar.

Além do plano safra, há mais e mais subsídios. Nós outros, mortais sem conexão com o agro, por exemplo, se quisermos financiar um imóvel nos sujeitamos aos juros de mercado (basta ir ao banco e conferir). E o agro? Está sujeito a esse mundanismo secular? Procure saber, mas já adianto que não. Para o agronegócio há o subsídio...

Noves fora, não imagino um seguimento da sociedade mais beneficiado pelo governo que o agronegócio. Todavia, trata-se de política econômica e o agro segue cumprindo sua parte (principalmente em favor do dono do modo de produção). Será que esta circunstância (que o cantante afortunado faz questão de omitir na fala) legitima sua grita?

Trocando em miúdos: precisaria o agro de um valente a esgrimir uma falsa circunstância que desacredita a realidade ao tempo em que desmerece o próprio agronegócio? A quem interessa isso?

Deveras, há uma pauta aí fora (desde 2016) e ela desacredita a realidade, ofertando um universo paralelo à mercê de discursos de ódio, ilações rasas feito um lajeado, mentiras e mais mentiras que vêm servindo à extrema direita na desconstrução do estado de bem-estar social.

Não por acaso passamos os últimos anos (2016 a 2022) desacreditando conquistas civilizatórias. Mentindo e mentindo o sentido, alcance e valor de governos sociais que, sem deixar de olhar o mercado, focaram tanto quanto a pauta das minorias.

Fato é: as mentiras que catapultam o ódio subsomem o amálgama de realidade que norteia a racionalidade da disputa, elegendo em seu lugar um nacionalismo ufanista falso, de viés religioso, onde as pautas conservadoras devoram a realidade de uma ciranda de gente (sem muito conhecimento histórico) que aprende a odiar sem questionar.

Assim é que se instaurou num passado recentíssimo (2016/2022) uma política do ódio pelo ódio que alimenta o fascismo, ao tempo em que agride o tecido social mais sensível.

Há, demais disso, um gado à espreita. A rês urbana é ignara e vem domesticada em anos de abuso neopentecostal e má formação católica que conduziram a degeneração da empatia, ao tempo em que o desapego plantou ódio de viés religioso com matrícula política, criando o terreno fértil para o fascismo tupiniquim, onde a condição humana dá lugar à ânsia pelo berrante que ora sopra o ‘sérgio’, ora toca o ‘gustavo’.

E lá nave vá...

Não me é possível, todavia, assistir a essa comédia de horror sem averbar, uma vez mais, meu descontentamento com mentiras de aluguel (cada coatch que cresce mata uma flor) que atendem a essa pauta (horrorosa) que alicerça o fascismo colonial em américa latina nessa quadra de nossa história. Confesso, a propósito, o cansaço que aflora discutir racionalmente com irracionais – sejam estes doutores, professores, mágicos...

A pauta da extrema direita é, pois, deletéria cultural da humanidade, naquilo que não alberga a condição humana em suas equações, suposto que sequer a realidade dos números leva em conta, naquilo que seu negacionismo serve, justamente, para escapar do meandro racional que nos caracteriza enquanto espécie.

Não serei, todavia, alcançado pelo cansaço. Há inúmeras batalhas a serem vencidas e minha condição cidadã reclama mais esforço em favor da ‘bruma leve das paixões que vem de dentro’ – é isso ou me bater com os moinhos da vida, enquanto a solidão da peleia irá contar a minha história.

Espero que o homem que se for não entristeça ou envergonhe o menino que ficou. Tristes trópicos.

Saudade Pai!

João dos Santos Gomes Filho, advogado