Na última terça-feira, dia 18, servidores federais fizeram protestos por reajustes salariais. Diante da crise e dos altos índices de inflação dos últimos meses, não estranha qualquer categoria de trabalhadores reclamar por reajustes.

Imagem ilustrativa da imagem Funcionários públicos na sociedade brasileira
| Foto: iStock

Mas, é claro, quando há milhões de desempregados e os níveis salariais da população caem drasticamente, como tem sido o caso há anos no país, uma manifestação vinda de servidores públicos só pode provocar reações negativas. Reações essas amplamente exploradas pela mídia brasileira.

A reprovação moral dá o tom das críticas e não ressoassem tanto na opinião pública seriam mera tagarelice hipócrita.

A tentativa de os servidores se associarem aos setores da sociedade mais prejudicados pela pandemia e pela (falta de) política do governo federal não pega muito bem. Não há que se falar em fome, vulnerabilidade, pobreza, ou qualquer coisa que o valha quando se é servidor público. Mesmos os mais mal pagos dentre nós estão em um patamar acima do salário médio da população, que em 2021 foi de 2433,00 reais. Logo, todo cuidado é pouco na elaboração das reivindicações endereçadas aos governos. Qualquer tentativa de se associar à subalternidade, aos explorados, aos prejudicado pelas circunstâncias e decisões políticas será pronta e devidamente rejeitada, explícita ou intuitivamente, por jornalistas, empresários, profissionais liberais e também pela massa da população trabalhadora que rala pra não ter 1/5 das benesses que o setor público tem.

icon-aspas (...) é urgente que nós, funcionários do estado brasileiro, endossemos críticas à desigualdade salarial brasileira.
Daniel Guerrini - professor UTFPR – Câmpus Londrina

Devemos então nos desarmar diante do discurso e das críticas liberais da direita conservadora que há anos se avolumam no Brasil? Penso que não e o primeiro passo é conhecer a própria posição de fala. Travesti-la de levante dos oprimidos, embora possa trazer uma satisfação egoica para o privilegiado envergonhado (que jamais abdicará de suas progressões automáticas para cerrar fileiras com os trabalhadores da iniciativa privada), gera apenas reprovações, desdém e, na melhor das hipóteses, ressentimento por parte da população. Um caldo interessantíssimo para a direita de plantão.

Isso posto, é urgente que nós, funcionários do estado brasileiro, endossemos críticas à desigualdade salarial brasileira. Para começar, dentro do próprio funcionalismo. É inaceitável que o estado seja ele próprio um propagador de injustiças. Se de fato temos algum princípio condizente com um Estado de Bem-Estar no país, não podemos aceitar que das instituições públicas venha a promoção da desigualdade. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) já demonstraram que o

índice de Gini no interior do setor público é pior (mais próximo da máxima desigualdade) que no setor privado. Claro, o menor nível de desigualdade entre assalariados da iniciativa privada se dá em patamares obscenamente baixos e isso deve ser objeto de estudos e políticas por si só. Mas não alenta nada nem ninguém saber que, embora iniciando em um patamar bastante superior à média da população, a desigualdade de salários do funcionalismo beira a de países que nós nem sabemos localizar no mapa mundi.

Está em todos os jornais que Procuradores da República chegaram a receber mais de 400 mil reais após uma decisão do Procurador Geral Augusto Aras. Será isso condizente com a realidade do país? É condizente com a realidade da massa de trabalhadores da saúde, da segurança e da educação do estado brasileiro? O acordo de cavalheiros que parece se estabelecer entre nós funcionários, o de que não criticamos o alto escalão da administração pública para que não sejamos os próximos alvos de crítica e, quem sabe, perseguição de setores desse alto escalão que tem meios para tanto, não serve, não é republicano e não coaduna com os ideais de uma institucionalidade orientada minimamente à prestação de serviços básicos ao conjunto da população.

Daniel Guerrini é professor UTFPR – Câmpus Londrina


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