O movimento, promovido pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) elegeu como tema da Campanha da Fraternidade deste ano, a fome no Brasil, com o lema: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A frase é dita por Jesus Cristo pouco antes do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. Mas, além desta, a Bíblia é repleta de passagens semelhantes, como na oração do Pai Nosso em que se dá destaque ao pão de cada dia. Na concepção de direitos humanos de Jesus, a garantia ao alimento é sempre o primeiro – ‘Tive fome e me destes de comer’ - a síntese do Reino é uma ceia de partilha de pão e vinho.

É a terceira vez que o tema faz parte da Campanha da Fraternidade, a ideia é fomentar o debate e a mobilização coletiva diante da cultura da indiferença perante o sofrimento alheio. “Dar o pão” não é dar esmola, mas como interpretou Santo Agostinho (354-430), reconhecer que o outro tem direito a dignidade. Também São João Crisóstomo (347 – 407), questionou: "De que serviria adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro se ele morreu de fome na pessoa dos pobres? Primeiro dá de comer a quem tem fome e depois ornamenta sua mesa com o que sobra".

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A fome e a campanha da fraternidade

O Brasil saiu do Mapa da Fome em 2014 (FAO-ONU), mas retornamos de forma dramática no final da década. Segundo dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) o número de brasileiros que não têm o que comer, passou de 19,1 milhões no fim de 2020 para 33,1 milhões em 2022. Além dos 58% de brasileiros que sofrem de insegurança alimentar, ou seja, não têm asseguradas as três refeições diárias.

A fome não pode ser naturalizada, faz parte dos direitos humanos fundamentais e está prevista como direito básico na constituição de 1988, sendo dever do Estado garanti-la. Não se trata de posição ideológica, mas do humanismo mais basilar, do contrário, nos transformaremos em monstros que inevitavelmente se auto aniquilarão.

Ademais, se a fome é inaceitável num mundo próspero, é ainda mais escandalosa no Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Temos terra, água e natureza fértil, somos o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, com recordes sucessivos de exportação. O nosso povo só passa fome porque as estruturas econômicas vigentes privilegiam os grandes produtores de grãos, que não estão concentrados em matar a fome da população, mas em verem seus lucros maximizados.

O fim da fome no país impõe-se como imperativo ético e obriga a ações em diferentes frentes: Reforma agrária é uma das mais importantes, assim como o fortalecimento da agricultura familiar, a produção de alimentos saudáveis e o fortalecimento de uma renda básica de cidadania. Também são fundamentais a política de compra de alimentos para os estoques reguladores da Conab, o que ajuda a regular os preços. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos do Governo Federal (PAA), são fundamentais, pois adquirem alimentos saudáveis da agricultura familiar e os destinam à merenda escolar e à rede da assistência social.

A fome vai muito além das estatísticas. Ela tem nome, tem rosto, tem história pessoal e tem lágrimas. A indiferença social rouba a cada ano o futuro de milhões de crianças e adolescentes, que sem nutrição adequada têm seus talentos e potencialidades comprometidas para o resto de suas vidas. Contudo, imaginar que a vida humana se limita à simples sobrevivência, é reduzi-la à condição animal. Matar a fome de alguém é apenas o primeiro passo para garantir a dignidade humana. Valem as palavras de uma pobre senhora que cruzou o meu caminho perto da morte: “De que vale esta vida em que se luta para que o corpo não morra de fome, quando o espírito não tem mais viço de tanto sofrer. Só quero ir embora e descansar”

Luís Miguel Luzio dos Santos, professor de socioeconomia da UEL (Universidade Estadual de Londrina)

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