Os tempos parecem favoráveis ao exercício desta caraterística do ser humano. Segundo o dicionário, o que na verdade o define. Mas infelizmente não acontece. Não somos indignados e nem exercitamos essa prerrogativa como atitude propositiva para questionar e mudar algo. Nos tempos bíblicos, a indignação chega a ser exaltada. Moisés quebrou as tábuas da lei, indignado (Ex 32). Elias, matou os profetas de Baal, indignado (1 Rs 18). E o que dizer de Jesus com os vendilhões no Tempo (Jo 2) ou de S. Paulo, quando escreve aos Gálatas insensatos (Gl 3)?

A indignação é sempre o começo de algo e nunca um fim em si mesmo. Por vê-la condenada à inércia e ao vazio, o poeta português Miguel Torga, decepcionado com os conterrâneos durante o período de ditadura, exclamava: “É um fenômeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Somos, socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados.”

O país vive um momento delicadíssimo de polarização burra. Uso este termo para me referir à inexistência de qualquer condição de debate, pois as definições sobre os posicionamentos assumidos são fechadas. Sente-se no ar um cheiro de revanchismo de parte a parte, com acusações e agressões generalizadas, facilitadas pelas mídias sociais (em minúsculo).

Entrincheirados e municiados, vão construindo obstáculos que detonam as parcas chances de entendimento. Um país refém de uma mediocridade já denunciada, que põe em causa sua subsistência e a estabilidade de suas instituições.

Ora, nada disto se configura como indignação. Não somos indignados contra a mentira, contra o negacionismo, contra a corrupção em si, contra a desigualdade social, contra o feminicídio, contra a devastação da floresta, contra a fome, contra a miséria, desemprego etc. etc. Estamos apenas revoltados. Revoltados uns contra os outros. Acusando-nos mutuamente. Como qualquer boa revolta, revelando uma extrema miopia que beira a cegueira.

Alguns bispos brasileiros revelaram indignação. O fizeram por estritas motivações bíblicas e com conteúdo apontado. "O Brasil atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história, (...) há uma tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República”. Os bispos pedem a abertura de “um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito”.

Não é uma revolta. Revolta é o que estão sentindo alguns, ao lerem o artigo, confirmando a minha tese. É uma indignação que devia ser a tônica de milhões de brasileiros. "Eu digo a vocês, se eles se calarem, as pedras clamarão." (Lc 19,40). O Brasil precisa de indignados e não revoltados. Os quase 100 mil mortos pela Covid-19 merecem um toque do silêncio, executado pelos lábios em um longo murmúrio de indignação. De toda a população brasileira. Não apenas dos que são a favor ou contra a cloroquina!

O Brasil não tem milhares de mortos. O Brasil está morrendo. Se apequenou enormemente perante a opinião pública internacional. Por dois motivos substanciais, além de outros. Sua subserviência total aos EUA e seu comportamento destrutivo em relação à Amazônia. Inegável.

Até os pequenos agricultores sabem o custo disso para a riqueza primeira do país. Isso não é motivo para revolta, fabricando, com grande contorcionismo, argumentos, a favor ou contra; é motivo sim, para uma verdadeira e legítima indignação. De fazendeiros, produtores de carne, intelectuais e políticos, até à mais simples brasileira do lar. Uma indignação nacional fundada em valores, dos quais nunca poderemos abrir mão. Ninguém tenha corrupto de estimação em casa. Ninguém flerte com regime totalitário. Ninguém considere WhatsApp maior do que a ciência. Ninguém excomungue o irmão por nenhum motivo. O país é maior do que qualquer um de nós. No entanto, a nossa legítima indignação ajudá-lo-á sobremaneira a ficar de pé.

Padre Manuel Joaquim R. dos Santos, Arquidiocese de Londrina