No dia em que Julian Assange é libertado de sua longa e absurda prisão, pela justiça subserviente dos ingleses, o Pleno do Supremo forma maioria pela descriminalização do porte de substancia entorpecente (canabis sativa) para uso pessoal, ainda que tal modalidade (porte para uso) jamais tenha sido criminalizada.

É um dia a não se esquecer.

No ponto destaco o voto histórico da ministra Carmen Lúcia, notadamente quando ela reconhece e corrige a distopia que distingue determinados locais e determinadas pessoas, elegendo-os fatores preponderantes na formação das condições distintivas do que seria uso próprio e traficância.

Isso é histórico e não há nada que se lhe sobreponha, em ordem a corrigir a maior de nossas distopias, que é tratar não iguais (branco e preto) em condições absolutamente iguais (flagrante por posse da mesma quantidade de tóxico), de forma desigual (para o negro determinada quantia implica traficância, enquanto para o branco é porte).

Aqui se resolve a covardia estrutural que, ao longo da história, reconheceu no preto culpado prévio, enquanto o branco (ainda que pobre) mereceu o benefício da dúvida.

É altura de deixar a hipocrisia em seu lugar (lixo da história) e convergir para o entendimento de que o racismo estrutural se projeta além de seus estereótipos costumeiros, alcançado a realidade de que o cidadão preto, por aqui, sempre foi a solução para as respostas quantitativas dos índices de produtividade do espectro persecutório do estado.

É dizer: entre um jovem branco e um outro jovem preto, ambos presos com a mesma quantidade de drogas, no mesmo local, o preto seria o traficante enquanto o branco seria o usuário. Há alguém com tamanho a me desmentir? Aguardo...

Fato é: hoje o Supremo deu um passo gigantesco na contramão dessa violência histórica, ainda que muitos reacionários de plantão digam o contrário.

Para além disso e sem qualquer amarra ideológica, lastreado apenas e tão somente na Constituição de 88, me acalenta a esperança uma decisão que fomenta um equilíbrio paritário entre as cores que compõe a equação multicor do Brasil, justamente porque não dá para fingir que a história foi outra e que as consequências são diversas.

Não. A história registra a exploração secular dos negros. Esse registro imbrica na dívida histórica que nós, brancos, temos com eles, negros. Sem qualquer mimimi, suposto que negar a história é desconhecer que a vida é uma benção que nos outorgou o próprio Criador.

Noves fora a hora extraordinária em que o Supremo corrige a mentira distópica de que o negro é um traficante pronto, pontuo a coincidência deste entendimento com a liberdade concedida pela justiça inglesa a Julian Assange, após o jornalista ter acordado com a justiça estadunidense.

Por eu ser muito contra o modelo norte americano de fazer política (interna e externamente), vou tentar ser comedido ao extremo – para que ninguém questione minha visão da podridão que vem dos bastidores estadunidenses.

No ponto, destaco a liberdade de Assange e a comemoro, como tenho comemorado poucas cousas ultimamente.

Deveras, Assange é jornalista e, enquanto jornalista, pelo Wikileaks (organização transnacional sem fins lucrativos que expõe na rede postagens de fontes anônimas, documentos, fotos e informações de governos ou empresas, sobre assuntos de interesse global), deu à luz uma tantada de mentiras (fake news) contadas pelo governo dos Estados Unidos. Por esse motivo esteve preso por exatos mil novecentos e um dias (mais de cinco anos).

Após ter chegado a um acordo com tio san, os ingleses (onde ele estava preso) o soltaram. Há tanta coisa errada no mundo que, quando algum hóspede da violência social que o estado patrocina se liberta, para mim é motivo a se comemorar. A Assange, pois, levanto um brinde!

Destaco, na sequência, a hipocrisia de quem se arvora defensor da liberdade de manifestação, defendendo a proliferação liberta de mentiras, ao tempo em que jamais levantou uma palavra em favor de Assange.

Termino por destacar que vivemos um dia a não se esquecer. Quer porque o Supremo disse basta a criminalização de cor (ainda que no campo das drogas e com as limitações que as circunstâncias esculpem), quer porque Julian Assange está livre para seguir a mostrar a verdade, ainda que esta venha a prejuízo das mentiras caras ao neoliberalismo!

Tristes trópicos, onde migalhas não é senão um site que espelha uma realidade, naquilo que, de migalha em migalha, talvez encontremos um caminho.

Saudade Pai, você ensinou que a cor da pele, tanto quanto a verdade, são distintivos de suas próprias circunstâncias, não podendo, portando, significar nada além do que espelham.

Assange Forever!

João dos Santos Gomes Filho, advogado